terça-feira, 11 de abril de 2017

Por que Super Nanny não educa?

Estes dias encontrei uma colega que há muito tempo não via. Ela disse que tinha um filho pequeno e desatou a falar das dificuldades que enfrentava na educação dos filhos. Conversamos sobre isso e, no final, ela me disse: É, acho que eu tenho que assistir muito Super Nanny para aprender a educar melhor.
Nossa, esta frase final foi, para mim, um grande balde de água fria. Primeiro porque, como conversávamos sobre algumas estratégias educativas, ela achou que eu falava dos “condicionamentos da Cris Polly”. Segundo, porque ela evidenciou o quanto tantas pessoas acreditam que as fórmulas mágicas da ilustre babá são acertadas e o quanto podem servir de modelo para que pais eduquem seus filhos. Que engano!
Foi por isso que decidi escrever o texto de hoje. O objetivo é discutir os enormes problemas que podem decorrer da replicação de modelos como os apresentados na TV e o quanto são ineficientes, do ponto de vista do desenvolvimento moral, as estratégias sugeridas por este reality show. Se queremos, de fato, que nossos filhos sejam respeitosos, justos, generosos, etc, antes de querermos que eles sejam obedientes, é melhor desligar a TV e procurar formas mais assertivas de educar.   
Para pensarmos sobre isso, em primeiro lugar, devemos ter clareza que o programa é editado, o que facilita a exibição de imagens que induzam a crença em torno da eficácia do método adotado. Tenham certeza, estas técnicas aplicadas não funcionam para todos e todas. O que acontece é que estes que não respondem aos condicionamentos não são exibidos, nos passando a ideia de que a eficácia é de 100%. Ademais, crianças e pais estão sob os holofotes das câmeras, o que, naturalmente, já favorece a adoção de outras posturas.
Pensando sobre isso, vou refletir sobre a ineficácia das propostas da Cris Polly, e como suas ações são inadequadas e pouco favorecem a conquista da autonomia moral das crianças.
Mas por quê? Super Nanny focaliza toda sua reflexão no presente, buscando resultados rápidos. As diversas variáveis implicadas no desenvolvimento humano são descartadas e todo problema de conduta é tratado como se fosse oriundo, exclusivamente, da falta de pulso firme de pais complacentes. Em nenhum momento a apresentadora analisa questões subjetivas das crianças e de seus pais, ignora os conteúdos psicológicos da família e replica a mesma estratégia para vários tipos de crianças com dificuldades diferentes. O foco da Nanny está, sempre, no treinamento de habilidades iguais para todos desprezando as diversas identidades e características intrasubjetivas.
Isso é um grave erro. Sabemos, através de muitas pesquisas sobre desenvolvimento infantil, que não é apenas um ou outro fator isolado que determina as atitudes dos sujeitos, mas sim a interação entre as diferentes formas de convivência que estabelecemos com os outros que nos formarão para os relacionamentos interpessoais, ajudando-nos a construir nossos valores, princípios e normas morais.
Além disso, outro grave problema da fórmula mágica adotada no programa está relacionado as regras e como elas são trabalhadas. Isso porque as regras são muito importantes para o desenvolvimento moral de crianças (é a porta de entrada no mundo da moral), mas não da forma como a Nanny lida com elas. A babá pop star apresenta as regras sempre já prontas, criadas por ela e sua onipotência, as quais deverão ser obedecidas pelas crianças cegamente e garantidas pelos pais, os guardiões das regras, concordando com elas ou não. Para a garantia da obediência às regras, Cris Polly afirma ser necessário, apenas, que os pais sejam suficientemente fortes para isso (entendam fortes como autoritários e sem diálogo).
Durante todo trabalho de domesticação a babá não reflete com as crianças sobre as regras, não evidencia os princípios que as sustentam e, muito menos, as constrói colaborativamente com os pequenos. Ela despreza os desejos e sentimentos dos pais e filhos, impõe autoritariamente suas normas e leva seus telespectadores a acreditarem que o autoritarismo é a chave do sucesso na educação dos filhos.
Em termos de Desenvolvimento Moral isso é um crime, pois, embora entenda que as regras são importantes e necessárias na garantia de uma convivência ética e respeitosa (não estou fazendo apologia ao tudo pode), compreendo que elas precisam ter sentido para criança. Piaget destaca que mais importante do que a regra é o princípio que a sustenta. Isso porque, uma pessoa pode não bater numa criança porque a Lei Menino Bernardo proíbe, enquanto outra compreende que não se pode bater por ser desrespeitoso qualquer forma de maltrato. Ambas não bateram, mas, do ponto de vista moral, as duas pessoas estão em estágios do desenvolvimento bem distintos. A primeira, ainda heterônoma, precisa sempre de um regulador externo: a lei, a câmera que filma na loja ou a blitz da lei seca para não agir de determinada forma. A segunda, por ter internalizado o valor da justiça e do respeito, não precisa de regulador externo. Lembremos:  o valor moral de uma ação não está na mera obediência cega às regras, mas, sim, aos princípios e valores que as sustentam.
Princípios são mais importantes que as regras e, mesmo assim, desprezados pela Super Nanny. O professor Yves de La Taille afirma que as regras seriam mapas que nos ajudam a nos deslocarmos no mundo e os princípios seriam as bússolas. Como é com bússolas que se fabricam os mapas, e não o contrário, possui maior sofisticação moral quem sabe, além de ler mapas, empregar as bússolas. Quem se limita ao conhecimento das regras morais não somente fica, na prática, sem saber como agir em inúmeras situações (por que não há regras explicitadas para todas) como corre o risco de ser dogmático e injusto. Em compensação, quem conhece princípios pode saber guiar-se em diversas situações e decidir como agir. Neste mundo, conhecer os princípios morais parece corresponder a uma competência necessária, mas não reconhecida pelo programa em questão. Enquanto propõe regras de fora para dentro, sem que as crianças pensem sobre elas, Super Nanny consegue um certo controle comportamental, mas pouca educa moralmente os pequenos.
Além disso, quando as crianças não cumprem as regras elas recebem sanções. Estas não são por reciprocidade, mas sim expiatórias, configurando um ambiente autoritário de castigos chamados de “cantinhos do pensamento”. Isso porque, o que a Nanny ensina os pais a fazerem é impor regras em função do respeito cego à autoridade e pelo medo de punição. Esse modelo educacional parte do pressuposto que todo comportamento é condicionado e que as sanções expiatórias (as punições que não ligadas ao ato infracional, mas sim são coercitivas e causam algum tipo de dor) são eficientes. Como garantir que as crianças estão pensando por estarem no cantinho do pensamento? Mais que isso, como garantir que elas estão pensando justo no que precisa pensar: no erro, em como o outro se sentiu, em como ela poderia ter agido diferentemente?
Essa forma de educar, por mais didática que possa parecer, está fadada ao fracasso, pois não adianta explicar com belas palavras a importância da justiça se a criança não vivencia um ambiente justo, não adianta explicar o porquê dos limites se esses são válidos apenas para as crianças. É preciso fazer uma ponte entre a vida e a reflexão sobre a vida.
Outro ponto problemático do programa é a forma como Nanny ensina os pais a lidarem com os ataques e fúria. Primeiro porque ela desconhece que há momentos de resolver os conflitos e há momentos de serenar os ânimos. Ao invés de ensinar os pais ajudarem os filhos a terem autocontrole, a babá reforça a necessidade do controle externo aplicado, muitas vezes, de forma desrespeitosa. Lembremos, o desenvolvimento moral é eficiente quando, com o passar do tempo, o controle do comportamento vai se tornando interno, isto é, quando a criança desenvolve autocontrole e o respeito às regras não depende mais do olhar dos pais ou de outras pessoas.
Além disso, outro grande problema é o quanto a cultura da família não é importante para o programa. Em nome da generalização, Super Nanny ignora as relações estabelecidas entre os membros da casa. Se as crianças dormem na cama dos pais, por exemplo, ela simplesmente diz: acabou (e tem que ser naquele dia). Não há adaptação para os pais e filhos, não há respeito, não há reconhecimento de que o tempo das pessoas divergem, não há nada. A técnica é da ruptura e persistência: suportem o choro que passa. Sim, o choro passa. O que a babá mais famosa não diz aos pais é que passa porque a criança, em seu desamparo, desiste de buscar acolhimento daqueles que mais deveriam protegê-la. Passa porque a criança entende que não adianta chorar, evidenciar sua fraqueza e necessidade, porque isso não são coisas importantes. Bem, se a babá pop star não fala isso ela não fala, também, nas consequências que o desamparo pode trazer ao desenvolvimento dos sujeitos.
Além disso, Super Nanny ignora o respeito mútuo, favorece o desamparo, incentiva práticas educativas autoritárias e inadequadas e faz tudo isso em nome do bem, da mudança de comportamentos. Talvez para ela os fins justifiquem os meios, não é?
Já para mim, os meios precisam ser construídos e pensando em função do fim. Queremos filhos obedientes ou filhos justos, honestos e generosos? Queremos filhos que façam o que mandamos porque somos seus pais ou queremos filhos que respeitem as pessoas (mesmo quando não estamos juntos) e as regras em função dos princípios que as sustentam?
Por isso, lhes peço: ao sentarem em frente a TV para assistir o show de horrores dessa babá pensem que ali estão sujeitos que precisam, além da mudança comportamental, de reconhecimento de suas identidades e de suas serem reconhecidos como sujeitos com suas histórias, suas angústias e seus medos.
Estas pessoas (pais e filhos) precisam de ajuda sim. Apenas não precisam de domesticação e adestramento recheados de falta de afeto. Vamos buscar formas de educar nossos filhos, mas não vamos achar que tudo que aparece na mídia, nas redes sociais ou em outros espaços de divulgação são receitas a serem cumpridas.
A palavra-chave é bom senso. Precisamos olhar para nossos pequenos identificando o que lhes falta, para, com isso, encontrarmos os caminhos para uma educação saudável e feliz. Para isso precisamos de paciência e persistência, precisamos de toda família junta e unida nesse propósito que é justo e urgente: educar as crianças da melhor forma que conseguimos. 


2 comentários:

  1. Excelente reflexão! Realmente muitas pessoas têm essa proposta do programa como modelo ideal de educação. Concordo com você, principalmente quando diz que a palavra chave é bom senso. Educar requer muita paciência, persistência e essencialmente, muito, muito amor.

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  2. Isso mesmo, Moneska. Muita paciência, persistência e muito amor.

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