Estes dias encontrei uma
colega que há muito tempo não via. Ela disse que tinha um filho pequeno e
desatou a falar das dificuldades que enfrentava na educação dos filhos.
Conversamos sobre isso e, no final, ela me disse: É, acho que eu tenho que
assistir muito Super Nanny para aprender a educar melhor.
Nossa, esta frase final foi,
para mim, um grande balde de água fria. Primeiro porque, como conversávamos
sobre algumas estratégias educativas, ela achou que eu falava dos
“condicionamentos da Cris Polly”. Segundo, porque ela evidenciou o quanto
tantas pessoas acreditam que as fórmulas mágicas da ilustre babá são acertadas
e o quanto podem servir de modelo para que pais eduquem seus filhos. Que
engano!
Foi por isso que decidi
escrever o texto de hoje. O objetivo é discutir os enormes problemas que podem
decorrer da replicação de modelos como os apresentados na TV e o quanto são
ineficientes, do ponto de vista do desenvolvimento moral, as estratégias
sugeridas por este reality show. Se queremos, de fato, que nossos filhos sejam
respeitosos, justos, generosos, etc, antes de querermos que eles sejam
obedientes, é melhor desligar a TV e procurar formas mais assertivas de
educar.
Para pensarmos sobre isso, em
primeiro lugar, devemos ter clareza que o programa é editado, o que facilita a
exibição de imagens que induzam a crença em torno da eficácia do método
adotado. Tenham certeza, estas técnicas aplicadas não funcionam para todos e
todas. O que acontece é que estes que não respondem aos condicionamentos não
são exibidos, nos passando a ideia de que a eficácia é de 100%. Ademais,
crianças e pais estão sob os holofotes das câmeras, o que, naturalmente, já
favorece a adoção de outras posturas.
Pensando sobre isso, vou refletir
sobre a ineficácia das propostas da Cris Polly, e como suas ações são
inadequadas e pouco favorecem a conquista da autonomia moral das crianças.
Mas por quê? Super Nanny
focaliza toda sua reflexão no presente, buscando resultados rápidos. As
diversas variáveis implicadas no desenvolvimento humano são descartadas e todo
problema de conduta é tratado como se fosse oriundo, exclusivamente, da falta
de pulso firme de pais complacentes. Em nenhum momento a apresentadora analisa
questões subjetivas das crianças e de seus pais, ignora os conteúdos
psicológicos da família e replica a mesma estratégia para vários tipos de
crianças com dificuldades diferentes. O foco da Nanny está, sempre, no
treinamento de habilidades iguais para todos desprezando as diversas
identidades e características intrasubjetivas.
Isso é um grave erro. Sabemos,
através de muitas pesquisas sobre desenvolvimento infantil, que não é apenas um
ou outro fator isolado que determina as atitudes dos sujeitos, mas sim a
interação entre as diferentes formas de convivência que estabelecemos com os
outros que nos formarão para os relacionamentos interpessoais, ajudando-nos a
construir nossos valores, princípios e normas morais.
Além disso, outro grave
problema da fórmula mágica adotada no programa está relacionado as regras e
como elas são trabalhadas. Isso porque as regras são muito importantes para o
desenvolvimento moral de crianças (é a porta de entrada no mundo da moral), mas
não da forma como a Nanny lida com elas. A babá pop star apresenta as regras
sempre já prontas, criadas por ela e sua onipotência, as quais deverão ser
obedecidas pelas crianças cegamente e garantidas pelos pais, os guardiões das
regras, concordando com elas ou não. Para a garantia da obediência às regras,
Cris Polly afirma ser necessário, apenas, que os pais sejam suficientemente
fortes para isso (entendam fortes como autoritários e sem diálogo).
Durante todo trabalho de
domesticação a babá não reflete com as crianças sobre as regras, não evidencia
os princípios que as sustentam e, muito menos, as constrói colaborativamente com
os pequenos. Ela despreza os desejos e sentimentos dos pais e filhos, impõe
autoritariamente suas normas e leva seus telespectadores a acreditarem que o
autoritarismo é a chave do sucesso na educação dos filhos.
Em termos de Desenvolvimento
Moral isso é um crime, pois, embora entenda que as regras são importantes e
necessárias na garantia de uma convivência ética e respeitosa (não estou
fazendo apologia ao tudo pode), compreendo que elas precisam ter sentido para
criança. Piaget destaca que mais importante do que a regra é o princípio que a
sustenta. Isso porque, uma pessoa pode não bater numa criança porque a Lei
Menino Bernardo proíbe, enquanto outra compreende que não se pode bater por ser
desrespeitoso qualquer forma de maltrato. Ambas não bateram, mas, do ponto de
vista moral, as duas pessoas estão em estágios do desenvolvimento bem
distintos. A primeira, ainda heterônoma, precisa sempre de um regulador
externo: a lei, a câmera que filma na loja ou a blitz da lei seca para não agir
de determinada forma. A segunda, por ter internalizado o valor da justiça e do
respeito, não precisa de regulador externo. Lembremos: o valor moral de uma ação não está na mera
obediência cega às regras, mas, sim, aos princípios e valores que as sustentam.
Princípios são mais
importantes que as regras e, mesmo assim, desprezados pela Super Nanny. O
professor Yves de La Taille afirma que as regras seriam mapas que nos ajudam a
nos deslocarmos no mundo e os princípios seriam as bússolas. Como é com
bússolas que se fabricam os mapas, e não o contrário, possui maior
sofisticação moral quem sabe, além de ler mapas, empregar as bússolas. Quem
se limita ao conhecimento das regras morais não somente fica, na prática, sem
saber como agir em inúmeras situações (por que não há regras explicitadas para
todas) como corre o risco de ser dogmático e injusto. Em compensação, quem
conhece princípios pode saber guiar-se em diversas situações e decidir como
agir. Neste mundo, conhecer os princípios morais parece corresponder a uma
competência necessária, mas não reconhecida pelo programa em questão. Enquanto
propõe regras de fora para dentro, sem que as crianças pensem sobre elas, Super
Nanny consegue um certo controle comportamental, mas pouca educa moralmente os
pequenos.
Além disso, quando as crianças
não cumprem as regras elas recebem sanções. Estas não são por reciprocidade,
mas sim expiatórias, configurando um ambiente autoritário de castigos chamados
de “cantinhos do pensamento”. Isso porque, o que a Nanny ensina os pais a
fazerem é impor regras em função do respeito cego à autoridade e pelo medo de
punição. Esse modelo educacional parte do pressuposto que todo comportamento é
condicionado e que as sanções expiatórias (as punições que não ligadas ao ato
infracional, mas sim são coercitivas e causam algum tipo de dor) são eficientes.
Como garantir que as crianças estão pensando por estarem no cantinho do
pensamento? Mais que isso, como garantir que elas estão pensando justo no que
precisa pensar: no erro, em como o outro se sentiu, em como ela poderia ter
agido diferentemente?
Essa forma de educar, por mais
didática que possa parecer, está fadada ao fracasso, pois não adianta explicar
com belas palavras a importância da justiça se a criança não vivencia um
ambiente justo, não adianta explicar o porquê dos limites se esses são válidos
apenas para as crianças. É preciso fazer uma ponte entre a vida e a reflexão
sobre a vida.
Outro ponto problemático do
programa é a forma como Nanny ensina os pais a lidarem com os ataques e fúria.
Primeiro porque ela desconhece que há momentos de resolver os conflitos e há
momentos de serenar os ânimos. Ao invés de ensinar os pais ajudarem os filhos a
terem autocontrole, a babá reforça a necessidade do controle externo aplicado,
muitas vezes, de forma desrespeitosa. Lembremos, o desenvolvimento moral é eficiente
quando, com o passar do tempo, o controle do comportamento vai se tornando
interno, isto é, quando a criança desenvolve autocontrole e o respeito às
regras não depende mais do olhar dos pais ou de outras pessoas.
Além disso, outro grande
problema é o quanto a cultura da família não é importante para o programa. Em
nome da generalização, Super Nanny ignora as relações estabelecidas entre os
membros da casa. Se as crianças dormem na cama dos pais, por exemplo, ela
simplesmente diz: acabou (e tem que ser naquele dia). Não há adaptação para os
pais e filhos, não há respeito, não há reconhecimento de que o tempo das
pessoas divergem, não há nada. A técnica é da ruptura e persistência: suportem
o choro que passa. Sim, o choro passa. O que a babá mais famosa não diz aos
pais é que passa porque a criança, em seu desamparo, desiste de buscar
acolhimento daqueles que mais deveriam protegê-la. Passa porque a criança
entende que não adianta chorar, evidenciar sua fraqueza e necessidade, porque
isso não são coisas importantes. Bem, se a babá pop star não fala isso ela não
fala, também, nas consequências que o desamparo pode trazer ao desenvolvimento
dos sujeitos.
Além disso, Super Nanny ignora
o respeito mútuo, favorece o desamparo, incentiva práticas educativas autoritárias
e inadequadas e faz tudo isso em nome do bem, da mudança de comportamentos.
Talvez para ela os fins justifiquem os meios, não é?
Já para mim, os meios precisam
ser construídos e pensando em função do fim. Queremos filhos obedientes ou
filhos justos, honestos e generosos? Queremos filhos que façam o que mandamos
porque somos seus pais ou queremos filhos que respeitem as pessoas (mesmo
quando não estamos juntos) e as regras em função dos princípios que as
sustentam?
Por isso, lhes peço: ao
sentarem em frente a TV para assistir o show de horrores dessa babá pensem que
ali estão sujeitos que precisam, além da mudança comportamental, de reconhecimento
de suas identidades e de suas serem reconhecidos como sujeitos com suas
histórias, suas angústias e seus medos.
Estas pessoas (pais e filhos) precisam
de ajuda sim. Apenas não precisam de domesticação e adestramento recheados de
falta de afeto. Vamos buscar formas de educar nossos filhos, mas não vamos
achar que tudo que aparece na mídia, nas redes sociais ou em outros espaços de
divulgação são receitas a serem cumpridas.
A palavra-chave é bom senso.
Precisamos olhar para nossos pequenos identificando o que lhes falta, para, com
isso, encontrarmos os caminhos para uma educação saudável e feliz. Para isso precisamos de paciência e persistência, precisamos de toda família junta e unida nesse propósito que é justo e urgente: educar as crianças da melhor forma que conseguimos.
Excelente reflexão! Realmente muitas pessoas têm essa proposta do programa como modelo ideal de educação. Concordo com você, principalmente quando diz que a palavra chave é bom senso. Educar requer muita paciência, persistência e essencialmente, muito, muito amor.
ResponderExcluirIsso mesmo, Moneska. Muita paciência, persistência e muito amor.
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