Sempre
que estou em debates sobre as formas de educação parental, nas quais defendo
fervorosamente uma educação sem violência, escuto defensores das famosas
“palmadas pedagógicas” me dizerem:
- Eu
apanhei quando era criança e, nem por isso, eu morri.
Mais
surpreendentemente ainda, tenho ouvido pessoas dizerem que apenas “se tornaram
gente” em função das palmadas, surras e chineladas que levaram e, quando
questionadas sobre a eficiência dos métodos e sobre o que nos diz a ciência
acerca de tais modelos educativos estas pessoas nos dizem:
- Eu
sou o que sou pelas surras que levei. O que as surras fizeram comigo foi me
transformar num homem ou numa mulher de bem.
Confesso
que fico chocada com tais argumentos, sobretudo porque há muito conhecimento
científico sobre o assunto nos mostrando justamente o contrário: os impactos
negativos de uma violência são imensos e comprovados, ao passo que os impactos
positivos são desconhecidos e duvidosos. Entretanto, conforme nos mostra o site
Crescer sem violência, as crianças, quando apanham, desaprovam as palmadas.
Entretanto, as palmadas resultam
em adultos que aprovam essa tática ao invés de rejeitarem a violência como
oportunidade, a não ser que suas infâncias tenham sido com disciplina física
muito severa (The Primordial Violence: Spanking Children, Psychological
Development, Violence, and Crime, 2013, Murray A. Straus, Emily M. Douglas,
Rose Anne Medeiros. ISBN-13: 978-1848729537).
Talvez
por isso, estas mesmas pessoas que se agarram a estes argumentos, em outras
áreas de suas vidas, não fazem as mesmas apologias ao passado. Vejamos, em
outrora todas as mulheres pariam em casa. Nem todas elas nem todos os bebês
morriam. Mesmo assim, a modernidade modificou este cenário e a maioria das
gestantes contemporâneas optam por parirem em hospitais. O que nos dizem os
dados de pesquisa sobre isso? Melhor estrutura de parto diminui a mortalidade
infantil e a materna. Sobre isso, ninguém discorda.
Outro
dado também interessante é que em outras épocas as crianças iam às escolas
apenas por volta dos sete anos. Sim, nossos pais não morreram por isso, mas por
que enviamos nossos filhos ao colégio bem mais cedo na contemporaneidade? Os
dados de pesquisa já evidenciaram os benefícios da educação infantil e das
aprendizagens na primeira infância para o desenvolvimento humano. Além disso,
há uma lei tornando o ensino obrigatório para todas as crianças a partir de 6
anos. É preciso, neste caso, além de validar o avanço científico, também, cumprir
a lei.
Além
disso, quando nós, adultos desta geração, erámos crianças, andávamos amontoados
num carro, sem cadeirinha (as vezes íamos na mala do carro com a tampa aberta).
Andávamos no banco da frente sem cinto de segurança e, apesar de termos
sobrevivido a isso, a maioria de nós age de forma diferente com nossos filhos.
Além das leis que obrigam o uso dos equipamentos de segurança (as cadeirinhas
desde 2010), dados do Ministério da Saúde apontam a diminuição de mortes
infantis em 20% desde essa obrigatoriedade.
Mas
porque acreditamos na ciência em tantos casos e desacreditamos quando ela
envolve um tema tão sério como a educação dos filhos e o desenvolvimento
afetivo e social deles? Em primeiro lugar, sendo a educação uma ciência humana,
observamos a possibilidade de coexistência de várias teorias. Entretanto,
nenhum dado científico conseguiu provar os benefícios de uma boa surra (por
isso as pessoas recorrem às suas experiências empíricas e falam de como
evoluíram via palmadas a partir de um argumento bastante egocêntrico para ser
utilizado por um adulto: deu certo comigo dará com todos).
Em
segundo lugar, em matérias de educação parental ainda somos levados a acreditar
mais no senso comum do que no conhecimento científico. Mesmo assim, defendendo
a tese de que viemos a este mundo para melhorá-lo, o que inclui evoluir em
todas as instâncias, incluindo a educação dos filhos, decidi apontar algumas
coisas para pensarmos sobre como educamos nossas crianças e as razões pelas
quais devemos, a todo custo, evitar bater nos pequenos.
Primeira questão: O tema da
violência contra crianças e adolescentes é uma questão urgente e séria. Dados
do CONANDA – Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente –
apontam que anualmente 6,5 milhões de crianças sofrem algum tipo de violência
em suas casas.
Segunda questão: mesmo que o sujeito legitime a palmada e queira fazer uso dela, ele não
pode. Bater numa criança é crime e deve ser punido. A lei Menino Bernardo,
desde 2014, criminalizou as práticas educativas pautadas em maus tratos.
Entretanto, embora esta lei tenha, apenas recentemente, explicitado tal
proibição, a mesma já é bem mais antiga, posto que o Estatuto da Criança e do
adolescente (ECA), aprovado em 1990 afirma que, "Nenhuma criança ou
adolescente será objeto de qualquer forma de negligência, discriminação,
exploração, violência, crueldade e opressão".
Terceira questão: As
palmadas – mesmo que bem dadas, como julgam ser possível alguns pais – não
permite a adequação de um comportamento, visto que possui um caráter externo.
Quando a criança apanha ela não pensa sobre o ocorrido e, o que é ainda pior,
compreende como permitido o uso da violência como forma de resolução de
conflito com os seus iguais. A literatura tem evidenciado (TOGNETTA, 2003),
inclusive, que crianças que apanham legitimam seu desejo de também o fazer para
garantir aquilo que mais desejam: serem adultos iguais aos pais.
Quarta questão: A
violência atinge diretamente a identidade da criança destruindo sua autoestima.
Isso porque, crianças e adolescentes que sofrem com a violência sentem-se
culpados pelos maus tratos vividos responsabilizando a eles próprios (muitas
vezes reforçados pela autoridade que também os responsabiliza: “você pediu para
apanhar”).
Quinta questão: A
família é um espaço de intimidade, no qual seus membros devem buscar refúgio
sempre que se sentem desamparados e desprotegidos. Como garantir este ambiente
seguro numa relação pautada pela violência?
Sexta questão: o
diálogo, o respeito à criança, o exercício da paciência e o limite discutido
são alternativas bem mais eficientes do que as violências físicas e
psicológicas (não se bate numa criança, mas, também, não se maltrata, não se
humilha nem se pratica nenhuma violência psicológica).
Sétima questão: uma
infância envolta aos castigos corporais aumenta as chances de um casamento no
qual haja violência doméstica é o que nos mostram muitas pesquisa, dentre as
quais podemos citar Taylor, C. A. et al (2012), “Use of Spanking
for 3-Year-Old Children and Associated Intimate Partner Aggression or
Violence”, Pediatrics 126(3), 415-424.
Oitava questão: Um estudo analisou quase 4 mil crianças concluiu que
palmadas com 1 e 3 anos estavam associadas com problemas de comportamento, déficits
cognitivos e aumenta o risco de agressividade e depressão aos 3 e 5 anos.
Maguire-Jack K, Gromoske AN, Berger LM. Spanking and child development during
the first 5 years of life. Child Dev. 2012 Nov;83(6):1960-
77.Doi:10.1111/j.1467-8624.2012.01820.x. Epub 2012 Aug 3.
Nona questão: enquanto apanha
a criança direciona toda sua atenção para lidar com a dor que sente ao invés de
prestar atenção ao que o adulto diz. Se quer, realmente, educar uma criança
olhe ela nos olhos, prenda sua atenção ao que deseja que ela aprenda.
Décima questão: Crianças que
apanham e são educadas por pais autoritários e agressivos estão mais suscetíveis
a práticas de bullying, tanto na posição de autores como de alvos deste
fenômeno.
Bem, penso que já temos muitos dados de pesquisa
que podem nos demover da crença de que bater educa. Com isso, podemos estar
atentos a outras formas de educar as crianças, nas quais o respeito à dignidade
e a compreensão de seus processos de desenvolvimento façam parte.