terça-feira, 22 de dezembro de 2015

Ler e escrever no tempo certo

Quase que diariamente me encontro com pessoas que me dizem: Seu filho já lê e escreve? Acho essa pergunta muito engraçada, porque, não sei por qual razão, as pessoas acham que o fato de eu ser pedagoga fará meu pequeno escolarizar-se de forma mais aligeirada do que o comum.
- Não, ele ainda não lê nem escreve! – eu respondo com tranqüilidade.
- Nada? Nem o nome dele? - Prosseguem perguntando!
- Não, nada! Falo com cara de quem já deseja encerrar a conversa.
Neste momento percebo a expressão de desapontamento da pessoa que pergunta e seu olhar dúbio: será que o filho dela tem dificuldade ou será que ela não consegue nem alfabetizar o próprio filho?
Bem, me recuso a prosseguir nesse diálogo, porque meu filho não sofre nenhum tipo de pressão para que antecipe fases de seu desenvolvimento. Faço isso porque respeito, sobretudo, o fato dele ser uma criança de apenas três anos e, além disso, ter a sorte de entender como se procede a aquisição da língua materna.
Como sei que muitas mães se angustiam em relação a isso e terminam pressionando suas crianças justo pela falta de informação sobre o assunto, decidi aqui escrever algumas reflexões que sustentam a minha ideia de que não devo aligeirar o processo de alfabetização do Tom e que ele aprenderá a ler e escrever na hora certa, sem crises.

1.    A alfabetização é um processo contínuo que demanda a participação ativa das crianças na formulação e reformulação de hipóteses acerca da linguagem escrita. Para isso, a criança passa por uma sucessiva superação de fases, que precisam ser conquistadas em sua completude (isso demanda, inclusive, maturidade psíquico e biológica.)
2.    A maioria das crianças não está, do ponto de vista do desenvolvimento, pronta para ler e escrever antes dos seis anos. Infelizmente, muitas escolas e famílias terminam obrigando os pequenos, através de práticas inadequadas de leitura e escrita.
3.    Isso porque, para uma criança consiga ler e escrever de forma tranquila ela necessita de um nível elevado de desenvolvimento da capacidade simbólica, o que não é comum em idades muito precoces. 
4.    Não há nenhuma evidência científica que justifique os ganhos a longo prazo de aprender a ler e escrever antes dos cinco anos.
5.    Nas melhores escolas do mundo, as finlandesas, por exemplo (estas são 1º lugar em educação mundial segundo o PISA), as crianças brincam e não perdem tempo aprendendo a ler e escrever.
6.    Pesquisas neuropsicológicas evidenciam que as atividades lúdicas levam ao incremento de sinapses, particularmente no córtex frontal, região cerebral responsável por todas as funções humanas mentais superiores. Por isso, deve-se brincar muito antes de aprender a ler e escrever.
7.    Vivências de letramento e que favorecem a reflexão em torno do sistema de escrita alfabética ajudam a preparar as crianças para se tornarem leitores fluentes no futuro, ao contrário de práticas de treinamento e transmissão de letras e palavras que pouco contribuem para uma leitura autônoma.  
8.    Antecipar a alfabetização prejudica o desenvolvimento infantil justo numa fase em que a criança deveria estar sendo estimulada a conviver, a desenvolver habilidades pessoais e interpessoais que lhes serão úteis na vida.
9.    Além disso, antecipar a alfabetização também embota a criatividade e a capacidade inventiva da criança.
10. Uma pesquisa realizada na Nova Zelândia comparou grupos de crianças que começaram a alfabetização formal nas idades de 5 a 7. Os resultados evidenciam que a introdução precoce da alfabetização é prejudicial, pois,  aos 11 anos, observou-se que as crianças que começaram a ler aos 5 anos desenvolveram atitudes menos positivas frente a atividades de leitura e mostraram uma capacidade de compreensão de texto mais empobrecida do que aquelas que começaram atividades de alfabetização posteriormente.
11. Crianças muito novas obtiveram piores resultados na Provinha Brasil (avaliação formal do Ministério da Educação) do que aquelas com idade mais adequada ao 2º ano do Ensino Fundamental.
12. Os estudos psicogenéticos já evidenciaram que a aquisição da escrita acontece quando a criança, desafiada pelas atividades e pelas intervenções do professor, investiga, testa ideias, repensa, corrige suas representações sobre a escrita, diferente do que ocorre com os métodos tradicionais de alfabetização, baseados na cópia de famílias silábicas nos quais a criança é receptora e pouco ativa diante do objeto de conhecimento.
13. Para apropriar-se do Sistema de Escrita Alfabética a criança precisa perceber suas regularidades, observando a quantidade de letras, as disposições delas, a combinação dos sons. Isso não ocorre por transmissão.  

Bem, acho que estas ponderações já são justificativas suficientes. Se mesmo assim as pessoas continuarem me perguntando por que meu filho não escreveu o nome dele aos dois anos, não escreveu palavras aos três e nem escreverá textos aos quatro, eu lamentarei muito.


Me restará, então, continuar permitindo que Tomaz brinque e reflita sobre a escrita através de práticas de leitura e escrita lúdicas e espontâneas. Não tenho dúvidas de que ele, que participa de atos de leitura (eu conto histórias para ele) e escrita (mostro para ele que “aquilo” dos livros e da vida são palavras) desde sempre, através de atividades que o fazem pensar e compreender a escrita em sua função social (e não de forma artificial como a transmissão de famílias silábicas), no final dessa etapa estará apto a dar passos mais ousados em seus papéis de leitor e escritor. Quando isso acontecer, estarei sempre na primeira fila de seus recitais (mesmo que seja apenas a leitura de uma lista) para aplaudi-lo dizendo: você conseguiu! Que bom que foi no seu tempo!