domingo, 23 de julho de 2017

É possível ensinar empatia aos nossos filhos?

Ontem à noite assisti ao filme Nise, no coração da loucura. Enquanto via o filme eu refletia muito sobre como nossas experiências de vida são (ou não) humanizadoras. Sim, como uma boa piagetiana sei que não somos, unicamente, produto do meio. Mas sei, também, que para compreender os comportamentos morais ou não dos homens, torna-se necessário saber a perspectiva ética que eles assumem. Dessa forma, é preciso compreender que resposta eles darão à pergunta feita pela ética (que vida viver?), para compreender as formas como agem e desejam ser reconhecidos.
Nesse sentido, Levando em consideração que a perspectiva ética adotada pelos indivíduos não é formada exclusivamente por questões psicológicas, eu pensei muito nos aspectos culturais e sociais que compõem os modos de viver a vida boa almejada pelo plano ético. Para pensar melhor sobre isso, recorri ao grande Yves de La Taille quando nos leva a pensar que numa sociedade na o sucesso é tão importante, acaba por convencer seus indivíduos de que somos acima e para além dos outros. Isso pode levar os sujeitos a um individualismo exagerado, e, por conseguinte, a pouca experiência em torno da empatia. Sim, este autor nos leva a entender que os valores difundidos culturalmente constroem “modelos” de felicidade, e, com isso, penso que as nossas experiências podem ser sim humanizadoras (ou afastar todas possibilidade de humanização).
O filme me tocou demais como ser humano e, como não poderia ser diferente, me tocou como mãe. Pensei em como eu tenho oportunizado meu pequeno Tomaz a, também, se humanizar e como eu tenho permitido que ele viva com o outro reconhecendo-o, sentindo-o, respeitando-o, ou seja, o quanto ele é capaz de ser empático. Sei que já faço muitas coisas na sua educação neste sentido, mas, sei, também, que ainda há muito a fazer.
Eu quero muito, do fundo do meu coração, que Tomaz seja capaz de experimentar a empatia, capacidade que eu busco, permanentemente, ao longo da minha vida. Mas o que seria empatia? Na prática, viver a empatia equivale a, metaforicamente, “calçar os sapatos” do outro. Para La Taille (2006), este sentimento caracteriza-se pela capacidade humana de perceber os estados emotivos alheios, afetando-se emocionalmente por eles. Não basta apenas saber o que os outros sentem, mas, sim, afetar-se com isso. A empatia, então, funciona como um “operador emocional”, passível de motivar uma pessoa a preocupar-se com os outros, tendo uma íntima relação com a moral, notadamente com o altruísmo.
Por isso, eu penso que não podemos abrir mão de educarmos nossos filhos para empatia. Mais do que educá-los para submissão cega (que muitos julgam positivamente: esta criança é muito obediente) ou para “respeitarem os mais velhos”, precisamos educar as crianças para respeitem a todos (incluindo elas próprias), a fim de que superem comportamentos que precisam ser combatidos, tais como o preconceito e a violação dos Direitos Humanos.
Em geral, as variáveis ambientais favorecem o desenvolvimento da empatia quando o ambiente no qual a criança está imersa é cooperativo, oferecendo a ela uma variedade de oportunidades para experimentar e expressar diferentes emoções, satisfazendo as suas necessidades físicas e emocionais, desestimulando a preocupação excessiva por si mesma (MOTA et al, 2006).  
Algumas ações dos pais ou cuidadores contribuem muito para que a criança possa aprender empatia. Por exemplo, reconhecer o sentimento das crianças sem banalizá-los ou negá-los, ouvindo e compreendendo as expressões de mal-estar que ela sente, faz com que a criança se sinta segura, sendo, portanto, precursor da empatia, uma vez que desperta o interesse da criança por quem se ocupa dela. Por outro lado, a negação às expressões de mal-estar e impotência da criança e a rejeição em resposta às suas necessidades relacionam-se negativamente à empatia infantil, já que promovem a preocupação autocentrada, ao invés de fortalecerem senso de segurança.
Pensando em como ajudar nossos filhos e filhas a serem mais empáticos, fiz uma série de reflexões em torno a ações que podem ajudar numa educação que busca, efetivamente, a formação de filhos empáticos. São elas:
1-      Dirigir a atenção da criança ao mal-estar do outro em momentos nos quais ela fere ou magoa, fazendo-a se imaginar em seu lugar;
2-      Favorecer à criança que foi ferida que possa falar sobre como se sentiu diretamente para a outra criança que a feriu;
3-      Utilizar estratégias educativas que não se baseiem em maus tratos, levando sempre a criança a refletir sobre como seu comportamento afeta os outros. É preciso pensar em suas ações, pois isso favorece a empatia.
4-      Não fazer uso de estratégias coercitivas e violentas na educação das crianças, posto que a coerção e ameaça de punição, com o objetivo de melhorar o comportamento, podem promover a preocupação voltada para as consequências externas e prejudicar o comportamento empático. Ainda, o uso de castigo físico repetido parece estar relacionado a um padrão de comportamento agressivo da criança em suas outras relações.
5-      Um estudo desenvolvido por Barnett, Thompson e Pfeifer indica que oferecer à criança oportunidades para cuidar e ajudar os outros faz com que ela perceba a sua capacidade para aliviar o mal-estar, inclinando-a a empatizar com os coleguinhas menos competentes.
6-      A atribuição de qualidades positivas é outra boa estratégia para promover o autoconceito pró- social. Desse modo, é importante valorizar as boas ações da criança, evidenciando o valor em seus comportamentos empáticos.
7-      Estimular a criança a perceber os outros como semelhantes pode contribuir para o desenvolvimento e a expressão da empatia. Com isso, devemos valorizar a diversidade e estimular na criança o reconhecimento de que todos somos semelhantes.  
8-      Pais e mães empáticos tendem a ser mais responsivos aos sentimentos das crianças, além de servirem como modelos de comportamento.
9-      Usar filmes e desenhos infantis para chamar atenção ao que os personagens vivem e sentem também pode ser uma boa estratégia para que a criança consiga se inclinar aos estados afetivos alheios.
10-  Valorizar mais as pessoas que as coisas; evidenciar a importância de promover o bem-estar alheio e, ainda, favorecer a generosidade e a caridade podem ser outras questões importantes.


Certamente este processo humanizador de nossos filhos precisa, sim, ser um processo humanizador nosso também. Nunca é tarde lembrar que em matéria de ética só pode ensinar que possui. Assim, se queremos, realmente, formar filhos empáticos, deveremos exercitar a nossa empatia para com eles no momento que os educamos e interagimos com os outros.


domingo, 9 de julho de 2017

Por que a adoção demora tanto?

Como a maioria já sabe, estamos num processo para ingressarmos no Cadastro Nacional de Adoção há mais ou menos 8 meses. Neste período de quase uma gestação, já enfrentamos angústias referentes ao que consideramos morosidade do processo (foram 7 meses para a primeira entrevista), já enfrentamos tristeza pelas dificuldades que aparecem e, no post de hoje, falarei sobre nossa surpresa em sabermos que há muito mais casais para adotar do que crianças em condições de serem adotadas.

Por mais estranha que esta informação pareça, na nossa primeira entrevista fomos informados de que hoje não há nenhuma criança no cadastro-CNA em condições de ser adotada para o perfil que escolhemos (crianças até 6 anos de qualquer sexo ou localidade do país). Isso porque, segundo o Estatuto da Criança e do Adolescente, a adoção somente pode acontecer quando a família de origem for destituída do poder familiar, os pais biológicos forem desconhecidos ou, em sendo estes falecidos, não existir parentes disponíveis a acolher a criança.

Desse modo, a maioria das crianças que hoje estão abrigadas ainda permanecem com vínculos jurídicos com suas famílias de origem e, para nossa justiça, a preferência é que se priorize o seu retorno para o convívio com esta família. A preservação dos vínculos familiares é um dos aspectos fundamentais do acolhimento de crianças e adolescentes, fundamentado na Constituição Federal, no Estatuto da Criança e do Adolescente, no Plano Nacional de Promoção, Proteção e Defesa dos Direitos de Crianças e Adolescentes à Convivência Familiar e Comunitária, nas Orientações Técnicas: Serviços de Acolhimento para Crianças e Adolescentes e na Lei da Adoção.

Confesso que, vivendo a experiência vagarosa de me tornar uma pretendente à adoção (embora esteja há 8 meses neste processo, ainda não ingressei no CNA) sou acometida de um sentimento bastante ambivalente: compreensão e revolta. Explico-me melhor: compreendo a importância da convivência com a família de origem e a necessidade de ser respeitar o amparo legal que prioriza a preservação dos vínculos familiares, mas, ao mesmo tempo, me indigno que se passe tanto tempo tentando resgatar vínculos que justifiquem o retorno de uma criança para uma família que, por vezes, não a quer ou não tem como cuidar dela.
                                                                   
Enquanto isso, mais de 4 mil casais encontram-se, hoje, em condições de adotar uma ou mais crianças, desejosos por constituírem uma família e, diante do cenário atual, não conseguem. Isso porque mais da metade das crianças abrigadas não podem ser adotadas. Com isso, o tempo passa, as crianças crescem e muitas delas não conseguem ser adotadas (já que a adoção tardia ainda é muito tímida no Brasil) nem, tampouco, voltar às suas famílias de origem.

Muitas campanhas têm sido criadas estimulando os casais a adotarem crianças mais velhas. Acho muito válida a ação. Entretanto, isso é insuficiente. É preciso agilizar o processo. É necessário que estudos sejam realizados e publicados esclarecendo como tem sido o retorno das crianças às suas famílias e como tem se dado o desenvolvimento afetivo, cognitivo e social dessas crianças que regressam aos seus lares de origem.  

Isso porque boa parte das crianças e adolescentes que estão em abrigos lá estão por terem seus direitos violados, sofrendo abandono, risco pessoal/social, negligência de seus pais/responsáveis, carência extrema de recursos, abandono, violência doméstica, dependência química, vivência de rua e a orfandade. Neste sentido, são comuns as dificuldades para a reinserção familiar em decorrência de episódios de ameaça ou violação dos direitos de crianças e adolescentes, tornando-se urgente que pensemos em formas mais eficientes de garantir um direito fundamental às crianças: direito a um lar e a uma família.

Falo isso por ter vivido ontem meu primeiro encontro no Grupo de Estudos e Apoio à Adoção (GEAD Recife). Nele, pudemos ouvir depoimentos de 04 pessoas adotadas que hoje são adultos extremamente gratos à possibilidade de terem vivido em suas famílias afetivas. Família não é a consanguínea (não em minha opinião), mas, sim, aquela em que cuidamos e somos cuidados, amamos e somos amados, respeitamos e somos respeitados.

Por que negar isso a uma criança por tanto tempo em nome de preservar vínculos com pessoas que, nem sempre, podem ser chamadas de família? Muitas vezes, as situações que levaram à perda do poder jurídico da família em relação à criança podem, ainda, não ter sido superadas e podem, inclusive, nunca ser. Desse modo, levanto outra questão: qual o tempo ideal em que devemos manter a busca pelo reestabelecimento dos vínculos?

Não tenho resposta para estas questões. Só tenho um desejo imenso de que as crianças e adolescentes deste país sejam sempre tratados como prioridade. Se for melhor para elas, de fato, que os vínculos familiares sejam mantidos, desejo que o Estado consiga fazer a reintegração familiar eficientemente.


Caso o melhor para estas crianças seja a aquisição de uma nova família via processo de adoção, desejo que o Estado repense as políticas atuais e torne o processo mais célere, a fim de que tantas famílias dispostas a amar uma criança tenham a possibilidade de doar este amor.