Como a
maioria já sabe, estamos num processo para ingressarmos no Cadastro Nacional de
Adoção há mais ou menos 8 meses. Neste período de quase uma gestação, já
enfrentamos angústias referentes ao que consideramos morosidade do processo
(foram 7 meses para a primeira entrevista), já enfrentamos tristeza pelas
dificuldades que aparecem e, no post de hoje, falarei sobre nossa surpresa em
sabermos que há muito mais casais para adotar do que crianças em condições de
serem adotadas.
Por mais estranha que esta informação pareça, na nossa
primeira entrevista fomos informados de que hoje não há nenhuma criança no
cadastro-CNA em condições de ser adotada para o perfil que escolhemos (crianças
até 6 anos de qualquer sexo ou localidade do país). Isso porque, segundo o
Estatuto da Criança e do Adolescente, a adoção somente pode acontecer quando a
família de origem for destituída do poder familiar, os pais biológicos forem desconhecidos
ou, em sendo estes falecidos, não existir parentes disponíveis a acolher a
criança.
Desse modo, a maioria das crianças que hoje estão abrigadas ainda
permanecem com vínculos jurídicos com suas famílias de origem e, para nossa
justiça, a preferência é que se priorize o seu retorno para o convívio com esta
família. A preservação dos vínculos
familiares é um dos aspectos fundamentais do acolhimento de crianças e
adolescentes, fundamentado na Constituição Federal, no Estatuto da
Criança e do Adolescente, no Plano Nacional de Promoção, Proteção e
Defesa dos Direitos de Crianças e Adolescentes à Convivência Familiar e
Comunitária, nas Orientações Técnicas: Serviços de Acolhimento para
Crianças e Adolescentes e na Lei da Adoção.
Confesso que,
vivendo a experiência vagarosa de me tornar uma pretendente à adoção (embora
esteja há 8 meses neste processo, ainda não ingressei no CNA) sou acometida de
um sentimento bastante ambivalente: compreensão e revolta. Explico-me melhor:
compreendo a importância da convivência com a família de origem e a necessidade
de ser respeitar o amparo legal que prioriza a preservação dos vínculos
familiares, mas, ao mesmo tempo, me indigno que se passe tanto tempo tentando
resgatar vínculos que justifiquem o retorno de uma criança para uma família
que, por vezes, não a quer ou não tem como cuidar dela.
Enquanto
isso, mais de 4 mil casais encontram-se, hoje, em condições de adotar uma ou
mais crianças, desejosos por constituírem uma família e, diante do cenário
atual, não conseguem. Isso porque mais da metade das crianças abrigadas não
podem ser adotadas. Com isso, o tempo passa, as crianças crescem e muitas delas
não conseguem ser adotadas (já que a adoção tardia ainda é muito tímida no
Brasil) nem, tampouco, voltar às suas famílias de origem.
Muitas
campanhas têm sido criadas estimulando os casais a adotarem crianças mais
velhas. Acho muito válida a ação. Entretanto, isso é insuficiente. É preciso
agilizar o processo. É necessário que estudos sejam realizados e publicados esclarecendo
como tem sido o retorno das crianças às suas famílias e como tem se dado o
desenvolvimento afetivo, cognitivo e social dessas crianças que regressam aos
seus lares de origem.
Isso porque
boa parte das crianças e
adolescentes que estão em abrigos lá estão por terem seus direitos violados,
sofrendo abandono, risco pessoal/social, negligência de seus pais/responsáveis,
carência extrema de recursos, abandono, violência doméstica, dependência
química, vivência de rua e a orfandade. Neste sentido, são comuns as
dificuldades para a reinserção familiar em decorrência de episódios de ameaça
ou violação dos direitos de crianças e adolescentes, tornando-se urgente
que pensemos em formas mais eficientes de garantir um direito fundamental às
crianças: direito a um lar e a uma família.
Falo isso por ter vivido ontem meu
primeiro encontro no Grupo de Estudos e Apoio à Adoção (GEAD Recife). Nele, pudemos
ouvir depoimentos de 04 pessoas adotadas que hoje são adultos extremamente
gratos à possibilidade de terem vivido em suas famílias afetivas. Família não é
a consanguínea (não em minha opinião), mas, sim, aquela em que cuidamos e somos
cuidados, amamos e somos amados, respeitamos e somos respeitados.
Por que negar isso a uma criança por tanto tempo em nome de
preservar vínculos com pessoas que, nem sempre, podem ser chamadas de família?
Muitas vezes, as situações que levaram à perda do poder jurídico da família em
relação à criança podem, ainda, não ter sido superadas e podem, inclusive,
nunca ser. Desse modo, levanto outra questão: qual o tempo ideal em que devemos
manter a busca pelo reestabelecimento dos vínculos?
Não tenho resposta para estas questões. Só tenho um desejo
imenso de que as crianças e adolescentes deste país sejam sempre tratados como
prioridade. Se for melhor para elas, de fato, que os vínculos familiares sejam
mantidos, desejo que o Estado consiga fazer a reintegração familiar
eficientemente.
Caso o melhor para estas crianças seja a aquisição de uma
nova família via processo de adoção, desejo que o Estado repense as políticas
atuais e torne o processo mais célere, a fim de que tantas famílias dispostas a
amar uma criança tenham a possibilidade de doar este amor.
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