terça-feira, 22 de dezembro de 2015

Ler e escrever no tempo certo

Quase que diariamente me encontro com pessoas que me dizem: Seu filho já lê e escreve? Acho essa pergunta muito engraçada, porque, não sei por qual razão, as pessoas acham que o fato de eu ser pedagoga fará meu pequeno escolarizar-se de forma mais aligeirada do que o comum.
- Não, ele ainda não lê nem escreve! – eu respondo com tranqüilidade.
- Nada? Nem o nome dele? - Prosseguem perguntando!
- Não, nada! Falo com cara de quem já deseja encerrar a conversa.
Neste momento percebo a expressão de desapontamento da pessoa que pergunta e seu olhar dúbio: será que o filho dela tem dificuldade ou será que ela não consegue nem alfabetizar o próprio filho?
Bem, me recuso a prosseguir nesse diálogo, porque meu filho não sofre nenhum tipo de pressão para que antecipe fases de seu desenvolvimento. Faço isso porque respeito, sobretudo, o fato dele ser uma criança de apenas três anos e, além disso, ter a sorte de entender como se procede a aquisição da língua materna.
Como sei que muitas mães se angustiam em relação a isso e terminam pressionando suas crianças justo pela falta de informação sobre o assunto, decidi aqui escrever algumas reflexões que sustentam a minha ideia de que não devo aligeirar o processo de alfabetização do Tom e que ele aprenderá a ler e escrever na hora certa, sem crises.

1.    A alfabetização é um processo contínuo que demanda a participação ativa das crianças na formulação e reformulação de hipóteses acerca da linguagem escrita. Para isso, a criança passa por uma sucessiva superação de fases, que precisam ser conquistadas em sua completude (isso demanda, inclusive, maturidade psíquico e biológica.)
2.    A maioria das crianças não está, do ponto de vista do desenvolvimento, pronta para ler e escrever antes dos seis anos. Infelizmente, muitas escolas e famílias terminam obrigando os pequenos, através de práticas inadequadas de leitura e escrita.
3.    Isso porque, para uma criança consiga ler e escrever de forma tranquila ela necessita de um nível elevado de desenvolvimento da capacidade simbólica, o que não é comum em idades muito precoces. 
4.    Não há nenhuma evidência científica que justifique os ganhos a longo prazo de aprender a ler e escrever antes dos cinco anos.
5.    Nas melhores escolas do mundo, as finlandesas, por exemplo (estas são 1º lugar em educação mundial segundo o PISA), as crianças brincam e não perdem tempo aprendendo a ler e escrever.
6.    Pesquisas neuropsicológicas evidenciam que as atividades lúdicas levam ao incremento de sinapses, particularmente no córtex frontal, região cerebral responsável por todas as funções humanas mentais superiores. Por isso, deve-se brincar muito antes de aprender a ler e escrever.
7.    Vivências de letramento e que favorecem a reflexão em torno do sistema de escrita alfabética ajudam a preparar as crianças para se tornarem leitores fluentes no futuro, ao contrário de práticas de treinamento e transmissão de letras e palavras que pouco contribuem para uma leitura autônoma.  
8.    Antecipar a alfabetização prejudica o desenvolvimento infantil justo numa fase em que a criança deveria estar sendo estimulada a conviver, a desenvolver habilidades pessoais e interpessoais que lhes serão úteis na vida.
9.    Além disso, antecipar a alfabetização também embota a criatividade e a capacidade inventiva da criança.
10. Uma pesquisa realizada na Nova Zelândia comparou grupos de crianças que começaram a alfabetização formal nas idades de 5 a 7. Os resultados evidenciam que a introdução precoce da alfabetização é prejudicial, pois,  aos 11 anos, observou-se que as crianças que começaram a ler aos 5 anos desenvolveram atitudes menos positivas frente a atividades de leitura e mostraram uma capacidade de compreensão de texto mais empobrecida do que aquelas que começaram atividades de alfabetização posteriormente.
11. Crianças muito novas obtiveram piores resultados na Provinha Brasil (avaliação formal do Ministério da Educação) do que aquelas com idade mais adequada ao 2º ano do Ensino Fundamental.
12. Os estudos psicogenéticos já evidenciaram que a aquisição da escrita acontece quando a criança, desafiada pelas atividades e pelas intervenções do professor, investiga, testa ideias, repensa, corrige suas representações sobre a escrita, diferente do que ocorre com os métodos tradicionais de alfabetização, baseados na cópia de famílias silábicas nos quais a criança é receptora e pouco ativa diante do objeto de conhecimento.
13. Para apropriar-se do Sistema de Escrita Alfabética a criança precisa perceber suas regularidades, observando a quantidade de letras, as disposições delas, a combinação dos sons. Isso não ocorre por transmissão.  

Bem, acho que estas ponderações já são justificativas suficientes. Se mesmo assim as pessoas continuarem me perguntando por que meu filho não escreveu o nome dele aos dois anos, não escreveu palavras aos três e nem escreverá textos aos quatro, eu lamentarei muito.


Me restará, então, continuar permitindo que Tomaz brinque e reflita sobre a escrita através de práticas de leitura e escrita lúdicas e espontâneas. Não tenho dúvidas de que ele, que participa de atos de leitura (eu conto histórias para ele) e escrita (mostro para ele que “aquilo” dos livros e da vida são palavras) desde sempre, através de atividades que o fazem pensar e compreender a escrita em sua função social (e não de forma artificial como a transmissão de famílias silábicas), no final dessa etapa estará apto a dar passos mais ousados em seus papéis de leitor e escritor. Quando isso acontecer, estarei sempre na primeira fila de seus recitais (mesmo que seja apenas a leitura de uma lista) para aplaudi-lo dizendo: você conseguiu! Que bom que foi no seu tempo! 

domingo, 20 de setembro de 2015

Lições do Pequeno Príncipe para uma adulta mãe: o filme.



Ontem à tarde, fomos ao cinema eu, Tom, o pai dele e um amiguinho que meu pequeno convidou para ir junto conosco. A escolha do dia foi O PEQUENO PRÍNCIPE, uma história cujo livro é admirado por mim desde a infância e que eu queria muito que meu filho pudesse começar a conhecer.
Como a maioria das pessoas, o que mais me impressiona na obra literária é a profundidade e leveza com que coisas tão lindas são ditas. Eu jamais me esquecerei, durante toda a minha vida, das frases tradicionais que li no livro e que me acompanham durante todos os momentos: “o essencial é invisível aos olhos”; “só se vê bem com os olhos do coração”; “tu te tornas eternamente responsável por aquilo que cativas”; “a gente só conhece bem as coisas que cativou” e tantas outras que me ensinam, sem dúvida, a ser uma pessoa melhor (ou ao menos tentar).
Fui ao cinema permeada pelo mais ambivalente dos sentimentos: expectativa e insegurança. Isso porque toda vez que um livro é traduzido para as telonas chovem críticas que afirmam: o livro é muito superior! Assim, decidi embotar a expectativa e me aventurar a, durante a sessão, me deixar cativar. Pensei: mesmo que não valha tanto a pena, alguma coisa eu ei de apreciar e logo lembrei da frase do Pequeno Príncipe: “é preciso que eu suporte duas ou três larvas se eu quiser conhecer as borboletas!”
Entretanto, a borboleta me apareceu logo que sentei na poltrona, de modo que desde a primeira cena a fotografia me impressionou, a trilha sonora me sensibilizou e a delicadeza das falas das personagens me emocionaram tanto que, muitas vezes, foi impossível segurar as lágrimas. Nessa hora, lembrei da raposa e pensei: “ a gente corre o risco de chorar um pouco quando se deixou cativar” e percebi que eu estava completamente apaixonada por este filme, cada vez mais.


A obra é leve e profunda. Não é uma tradução pura e simples da obra de Saint-Exupéry, mas uma imersão da sua poética na história de uma garotinha, cuja mãe é uma controladora obsessiva que possui como meta de vida a sua aprovação na melhor escola da cidade.
Para isso, a mãe embota a infância da menina, controlando, a todo momento, todos os passos e ações da garota: estudar, ler, fazer exercício, comer... Tudo minimamente programado. A mãe esquece, apenas, de que do outro lado, aquele ser, que mais parece um robô, é uma criança que já tem sentimentos e que precisa ser feliz.
Diálogos como “você será uma grande pessoa quando crescer, minha filha!” são muito comuns nas trocas entre mãe e filha e evidenciam uma concepção materna muito clara: a mãe percebe a  filha como um projeto para seus sonhos pessoais, não como uma criança que sente, pensa e vive.


A infância, de verdade, começa a se evidenciar quando a garotinha faz amizade com o aviador que lhe apresenta o texto do pequeno príncipe de modo despretensioso, sem obrigações nem, tampouco, aplicabilidade.
A menininha, que até então só lia o que servia para sua aprovação na famosa escola, começa a imaginar, a viajar pelo mundo da fantasia bem característico às crianças, fazendo-a descobrir o que, de verdade, é importante ao mundo e a nós mesmos. 
O filme fala de infância, mas fala, sobretudo, da efemeridade das relações, de como nós, os adultos, valorizamos coisas secundárias, subjugando o que essencial e invisível aos olhos sem reconhecer que há coisas que são inacessíveis ao dinheiro.
Ah, para mim, essa foi uma das partes mais marcantes do filme. Em uma das cenas mais lindas, o Pequeno Príncipe se encontra com o homem de negócios que contava as estrelas do céu, julgando-se dono delas. Quanto mais estrelas contava, mais rico se sentia. Apoderara-se das estrelas que jamais tinham sido reivindicadas. Sua fortuna brilhava no céu, impalpável, como a ilusão de todas as riquezas do mundo e, percebendo isso, o principezinho lhe pergunta: o que fazes tu dessas estrelas?
- O que faço delas?
-Sim.
-Nada. Eu as possuo.
- Tu possuis as estrelas?
- Sim.
- Mas eu já vi um rei que...
- Os reis não possuem. Eles “reinam” sobre. É muito diferente.
- E de que te serve possuir as estrelas?
- Serve-me para ser rico.
- E para que te serves ser rico?
- Para comprar outras estrelas, se alguém achar.
(...)
- Basta isso? - E prosseguiu – Tu não podes colher as estrelas.
- Não, mas posso colocá-las no banco.
- Só isto?
- E basta...
- É divertido - pensou o principezinho. Eu possuo uma flor que rego todos os dias. Possuo um vulcão que revolvo toda semana, porque eu revolvo também o que está extinto. A gente nunca sabe. É útil para os meus vulcões, e útil para minha flor que eu os possua. Mas tu não és útil às estrelas.
O homem de negócios abriu a boca, mas não achou nada a responder.  Desiludido com a ganância do homem, o principezinho seguiu a sua jornada, mas não sem antes nos tocar profundamente e nos fazer refletir sobre como temos “colecionado estrelas” que em nada iluminam nossos dias. Como temos deixado pouco tempo para a convivência com os filhos, com os amigos, com aqueles que amamos, desprezando o ensinamento de “que foi o tempo que dedicastes a tua rosa que fez dela importante”.


Não pude sair do filme sem estar profundamente mexida... sem olhar para meu filho pensando o quanto tenho necessidade dele, pois “ele é, para mim, único no mundo e eu serei, sempre, para ele única também”, e mesmo que um dia nós já não estejamos juntos (infelizmente as mães não são para sempre), eu espero que ele tenha aprendido que basta que ele fique contente por ter me conhecido, e que ao lembrar de mim, ele perceba que passamos toda a nossa vida nos cativando e, justo por isso, estaremos sempre juntos, mesmo que não nos vejamos mais, porque “o essencial é invisível aos olhos”.

Resultado de imagem para o filme do pequeno príncipe

Filme lindo e emocionante, muito mais apreciado por mim do que pelo Tom, que ainda não entende o que significam aquelas palavras, mas já sente o quão grande é o amor que elas traduzem. Sai do cinema, realmente, cativada. 

terça-feira, 8 de setembro de 2015

A babá dependência e os modelos educativos no Brasil

No último mês viajamos de férias: eu, Tom o pai dele e mais os padrinhos, os tios e a avó materna. O objetivo da viagem foi comemorar o primeiro aninho do priminho dele, Samuel, que mora na terra da rainha.
Além de participarmos da festinha, aproveitamos para passear em várias cidades inglesas, onde visitamos o Parque da Pepa para que o Tom pudesse ver um lugar infantil inteiramente dedicado a porquinha mais famosa dos últimos tempos.
Em todos os lugares que fomos, desde os mais infantis (como o parque citado), até lugares bem adultos (como as universidades em Cambridge), observamos pais e crianças que passeavam com tranquilidade, aproveitando a companhia uns dos outros.
Justo por isso, me chamou atenção que em nenhum lugar nós observamos babás acompanhando as famílias, o que permitia ver a naturalidade com que os adultos cuidavam dos filhos de forma tão espontânea e rotineira. A tranqüilidade com que todos conduziam as crianças era tão natural que não soava o martírio que, muitas vezes, me transparece nas famílias brasileiras que ficam desesperadas quando precisam levar os filhos a um parque.
Aqui no Brasil estamos exagerando na necessidade de ter, sempre, alguém que faça por nós aquilo que cansa, mas que deve ser motivo de prazer para os pais. Tem sempre babá, folguista, folguista da folguista, e os pais quase nunca se aventuram a trocar uma fralda, correr atrás dos filhos em um parque, dar a comida, banho e tantas coisas que fazem parte da rotina de quem tem filho pequeno.
A babá dependência está tão forte que fui fechar o quarto aninho do Tom em um Buffet infantil e tive que dizer quantos adultos, crianças e babás seriam convidados para que fosse finalizado o orçamento do evento. Vejam, as babás são tão presentes que os buffets já reconhecem a sua participação nas festas infantis como certa, tendo que cobrar por isso também (apesar de que eu acho que deveriam ser tratadas como qualquer adulto, pois é isso que são de verdade).
Sei que algumas mães têm muitos filhos, ou tem criança que demanda necessidade especial que requer mais atenção. Mas tem sido muito comum ver nos parques um pai, uma mãe e uma babá, compondo três adultos para olhar apenas uma criança que brinca, como todas as outras e, por isso, cansa muito os pais no corre-corre da infância.
Isso não é possível! Não podemos, em nome de um cansaço, abrir mão de conviver com as crianças, usufruindo tudo o que elas fazem: correr, comer, tomar banho, etc. Não podemos abrir mão de estar junto e orientar quando preciso. Uma babá, por mais boa vontade que tenha, nunca conseguirá transmitir os valores da família de forma clara nem educar conforme os pais legitimam. Mais do que isso, quando nos afastamos dos cuidados necessários aos pequenos, delegando sempre a terceiros a responsabilidade com isso, fragilizamos a construção de vínculos sólidos entre pais e filhos, pois estas tarefas significam doação – questão necessária no processo de vinculação.
A educação dos filhos é responsabilidade nossa. E ela se torna necessária, justamente, quando eles estão vivos na brincadeira, quando eles estão bravos na hora do banho, quando eles estão birrentos no momento do almoço quando eles estão sendo crianças. Somos nós que devemos educá-los e se abrirmos mão disso, esvaziamos a relação entre pais e crianças.
Não quero dizer, com isso, que ninguém possa contar com a ajuda de alguém na educação da criança. Estou dizendo, apenas, que não podemos ter babás 24 horas por dia em sete dias da semana. Hoje as babás têm que dormir, tem que ter substituta no sábado, no domingo, nos feriados. O problema reside aí. A tarefa materna/paterna não é gerencial, mas de colocar a mão na massa por obrigação e por prazer de cuidar daqueles que amamos acima de tudo.
Se gostamos de ser mãe ou pai apenas quando as crianças dormem, há algo errado nisso e nós precisamos rever a relação afetiva que temos construído nesse processo maternal/paternal.
Ser pai ou mãe é cansativo, mas é necessário e prazeroso... os filhos crescem e logo, logo não precisarão mais de nós nos cuidados básicos... e o mais cruel disso tudo é que o tempo não volta. Por isso, vamos dar folga as babás nos finais de semana... vamos assumir os cuidados com os filhos enquanto eles precisam.
Vamos cuidar dessa relação da maneira que podemos, para que os nossos filhos reconheçam que, da forma como é possível, estamos nos doando nessa relação.      

  

segunda-feira, 7 de setembro de 2015

Quem precisa de um filho genial?


Hoje estava fuçando o facebook quando vi um post do querido Francisco Alexandrino sobre o livro abaixo.


Imediatamente o título da obra me chamou atenção, acendendo em mim a luz vermelha de preocupação: minha nossa, só me faltava essa! Estou até vendo mães e pais consumidos pelo desejo de educarem filhos gênios, aplicando letra por letra da leitura do livro. Estou até vendo – como conseqüência – crianças sofrendo pelas pressões paternas e maternas, sem conseguirem atender as expectativas de seus pais. E por fim, vejo pais frustrados, crianças deprimidas, e nenhum gênio que tenha sido treinado para isso através desta magnífica obra.
Minha nossa, um livro dessa natureza é um risco a saúde social. Isso porque leva pais e mães a colocarem a saúde mental de seus filhos em risco, motivados pela possibilidade de sucesso: meta geral nesta sociedade pós-moderna, cujos valores capitalistas são tão presentes.
O pior é que esta obra não é uma publicação isolada. Apenas numa busca rápida pela internet achei mais de dez livros cujas propostas são as mesmas das defendidas no livro aqui apresentado: orientar pais a educarem filhos para serem gênios. Não é possível que isso esteja acontecendo e nós, pedagogos, pais e mães estejamos indiferentes a isso.
É preciso que questionemos esta realidade, a partir de algumas reflexões. A primeira delas é: qual a importância de que nossos filhos sejam gênios? Será que é porque acreditamos que sendo eles demasiadamente inteligentes garantimos que terão sucesso financeiro, quase como se isso fosse uma equação exata?
Ledo engano! Dias desses li um estudo longitudinal, feito por pesquisadores norte americanos, cujo acompanhamento de crianças com alto, médio e baixo desempenho permitiu afirmar: não são as pessoas com maiores notas na escola que garantem o sucesso profissional, mas a existência de projetos claros de vida. Isso quer dizer que mais vale saber aonde se quer chegar do que ter 10 em todas as disciplinas do boletim escolar.
Segundo, é possível transformar nossos filhos em gênios? Para esta, a resposta é negativa. E, ainda mais, ela é um risco, porque a vida de uma criança cuja meta paterna é transformá-la em gênio vira um verdadeiro martírio: ela ouve Mozart desde o nascimento, porque os pais ouviram que música clássica potencializa a inteligência; ela faz inglês antes de aprender a falar sua língua materna; faz aula de reforço antes de aprender a escrever seu próprio nome, freqüenta teatro, cinema, exposição e tudo mais que possa fortalecer seu repertório cultural, transformando o entretenimento sempre em possibilidade de desenvolvimento... A criança gênio em potencial faz tudo... só não faz o que ela poderia fazer para crescer saudável e feliz: ser criança.
Não estamos nos dando conta de que estamos vivendo num mundo tão competitivo que nos leva a adotar uma posição de competição incluindo a criança nisso. É preciso que reconheçamos que cada criança é única, possuindo um ritmo de aprendizado próprio, adequando aos seus níveis de desenvolvimento. Não adianta querer que uma criança faça equações aos oitos anos, porque ela não tem condições cognitivas para isso.
Na tentativa de educarmos gênios estamos, na verdade, pulando fases e enlouquecendo as escolas que, cada vez mais, se vêem obrigadas a alfabetizar as crianças com quatro ou cinco de anos de idade, alimentando o ego dos pais que poderão dizer nas festinhas infantis: meu filho lê e escreve aos cinco anos.
Gente, isso é um absurdo, pois o sistema nervoso da criança ainda não está maturado para esse tipo de atividade e forçá-la a realizar tarefas para as quais ainda não está pronta pode levar a criança a apresentar dificuldades de aprendizagem um pouco mais tarde.
Essa geração de gênios é a mesma geração da depressão infantil, das crianças com distúrbios do sono, com alterações alimentares, com fobias e tantos outros transtornos psicológicos que até pouco tempo era “privilégio” do mundo adulto. Isso não é coincidência.
Estamos, como pais, tão preocupados com o futuro dos filhos que acabamos transmitindo para eles nossas expectativas. Enquanto as crianças de antes fantasiavam sobre o futuro imaginando se seriam astronauta ou estrela de cinema, as crianças educadas para serem gênios imaginam, cada vez mais cedo, quantos carros terão na garagem ou quantas viagens vão fazer ao exterior. A preocupação desta geração que forma gênios está sempre ligada à riqueza material.
Não podemos fazer nossos filhos acreditarem que dinheiro é o único sinal de sucesso e que a obtenção desse sucesso virá através de boas notas. Corremos o risco de estressar nossos filhos e, ainda mais, inibi-los na busca do que realmente importa na vida: a busca pela felicidade.
É por isso que eu penso que não precisamos de filhos geniais, mais de filhos que enxerguem em nós o suporte emocional que precisam para se desenvolver saudável e feliz.
  

   

sábado, 8 de agosto de 2015

10 razões pelas quais Tomaz tem um grande pai

Sempre me importei muito com a qualidade do pai que daria ao meu filho. Tive um pai maravilhoso, solidário e, acima de tudo, cuidadoso com os seus. Longe de ser perfeito, meu pai me ensinou o que há de maior valor em minha vida: é preciso doar-se aos outros. Como entendo o papel determinante que ele teve em minha formação, queria que com o meu pequeno tivesse a mesma sorte que eu e, para nossa felicidade, acho que acertei.
Hoje, nas vésperas do dia dos pais, decidi escrever para meu filho as 10 razões pelas quais ele tem um grande pai, para que, no futuro, ele lembre-se sempre disso, levando consigo os valores que o amor paterno pode transmitir.  
Tom, seu pai é um grande pai por muitas razões, mas, hoje, lhe digo dez que você jamais deve esquecer:
1º - Ele esperou sua chegada acima de tudo e desde que soube que você estava a caminho cuidou de você da forma mais afetuosa que você pode imaginar;
2º Ele chorou com o coração cheio de emoção a primeira vez que lhe viu;
3º Ele fez de tudo para que você crescesse saudável, correndo (no sentido denotativo do termo) de todas as formas para lhe alimentar o corpo e a alma;
4º Ele lhe ensinou tudo o que gosta, acreditando que o Sport, o vídeo game e os super-heróis podem ser as coisas mais maravilhosas do mundo;
5º Ele nunca continuou dormindo enquanto eu me acordava para amamentá-lo e, além de ficar ao seu lado, cuidava da luz, do som e de tudo que ele achava importante para seu bem-estar;
6º Ele é sempre o primeiro a se levantar a cada resmungo seu de madrugada e, mesmo que tenha tido um dia péssimo, ele faz isso com bom humor;
7º Ele é muito carinhoso com você e lhe ensina, com isso, que homem beija, ama e dá carinho;

8º Ele lhe educa com afeto, tanto que hoje (08/08/2015), quando perguntei a você porque amavas seu pai, você me disse: - porque ele não me bate!
9º Ele grita, canta alto, corre pela casa e faz um monte de maluquices que você embola de rir;

10º E, por fim, ele é seu pai, tentando sempre ser o melhor que pode. E mesmo que ele erre, mesmo que um dia você tenha raiva dele ou fique chateado por alguma razão, poderá ter a certeza que o amor que ele sente por você é infinito e imenso!

segunda-feira, 22 de junho de 2015

Ideologia da Empatia

Recentemente tomei um baita susto ao perceber a polêmica em torno do Plano Municipal de Educação (PME) do Recife, em função da presença do termo gênero no referido texto legal. Isso porque, para alguns, a presença da expressão constitui-se numa pseudo “ideologia de gênero”, sendo nefasta ao desenvolvimento infantil.
Tal crença está sustentada em idéias bastante absurdas, tais como influenciar, desde a primeira infância, práticas homossexuais na escola. Ora, se tal argumento já nos soa de forma absurda, ficamos ainda mais impressionados quando lemos o conteúdo do documento e a forma séria e coerente como o assunto foi tratado, percebendo que houve, claramente, manipulação na divulgação da informação entre alguns que possuem status de liderança, tais como gestores de escolas (pasmem, mas teve escola fazendo abaixo-assinado contra o documento) e lideranças evangélicas.
Vejam, logo no início do PME, a primeira vez que a expressão nos apareceu foi no tópico 3.4, cujo conteúdo destacou que é preciso “promover a superação das desigualdades educacionais, com ênfase na promoção da igualdade racial, geracional e de gênero”.
Qual o mal que há neste texto? Como podemos pensar num projeto educativo - seja em qual segmento for - apartado de concepções de igualdade nas suas variadas formas?
É por isso que a escola, por ser um espaço privilegiado de convivência com a diferença, precisa se sustentar em valores morais, cujo respeito (mútuo) seja a base da constituição da formação moral de nossas crianças. Não podemos pensar em respeitar apenas àqueles cujas representações nos parecem similar, mas, sim, respeitar a todo e qualquer sujeito porque esse é um sentimento importante e que não pode ser circunstancial. Isso põe fim à idéia limitada de que respeitamos o outro porque ele merece respeito, e passamos a fazer isso em nome de um autorrespeito que, de tanto legitimar essa ação, faz uso dela.
É por isso que o documento (tópico 8.2) sugere “implementar políticas públicas educacionais de inclusão social de promoção da equidade e de combate as desigualdades raciais, sociais, culturais, gênero, sexual e geracional”. Isso porque, não há mudança de paradigmas sem que haja na escola mudanças que favoreçam a inclusão de todos e reconheçam a única coisa que há em comum em todas as pessoas: nossa natureza humana.
Não podemos, como pais e mães, abrir mão disso em função de valores que excluem pessoas e trazem tanto sofrimento social: até quando vamos ter meninas da candomblé apedrejadas? Gays assassinados? Negros humilhados? Mulheres estupradas?
Precisamos mudar esta realidade e, para isso, temos que ajudar as escolas nesta difícil tarefa de educar moralmente nossas crianças, garantindo que elas conquistem o que é tão urgente: autonomia moral.
Justo por isso, a professora Telma Vinha (2000) nos leva a compreender que para que a criança construa sua própria autonomia moral, que é a capacidade de governar a si própria, é necessário que ela esteja inserida em um ambiente de respeito mútuo, em que o autoritarismo do adulto seja minimizado, e os indivíduos que se relacionam considerem-se como iguais, respeitem-se reciprocamente (p.19).
É sustentada nesta crença que o Plano Municipal, em seu tópico 8.17, delegou à escola a necessidade de “desenvolver políticas permanentes de combate ao assédio moral, sexual e todas as formas sutis ou declaradas de machismo e racismo”.
Como pode alguém ser contrário ao combate do assédio em suas variadas formas? Como pode alguém ser contrário ao machismo, que vitimiza não apenas as meninas - permitindo que constituam identidades diminuídas - como também os meninos que precisam assumir determinados estereótipos masculinos para poderem, assim, ser reconhecidos?
É justamente em nome dessas formas de assédio – disfarçadas por machismo e racismo - que muitas crianças e jovens abandonam a escola e, com ela, o sonho de progredirem na vida. É num contexto de bullying, que meninos e meninas, por serem “diferentes”, vivenciam situações de sofrimento e, sem alternativa, abandonam a escola.
Foi compreendendo isso que o PME determinou, em seu tópico 8.18, que a escola deve “implementar, acompanhar, monitorar e avaliar, em regime de colaboração entre a União e o Estado, de acordo com a legislação pertinente, políticas públicas de inclusão social dos/das estudantes trabalhadores/as de baixa renda, das/dos estudantes negros,  indígenas, quilombolas, em diversidade de gênero, sexual, e das/dos estudantes com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades/superdotação”.
Observem que o texto trata, apenas, da inclusão daqueles que, por diversas razões históricas e sociais, foram marginalizados em nossa sociedade. Não há qualquer menção a transformar estas ações inclusivas em conteúdos escolares (como alguns disseram), até porque, não aprendemos a ser respeitosos apenas porque aprendemos o que é respeito. Contrário a isso, aprendemos a ser assim porque, no ambiente no qual fomos inseridos, o respeito se configurou como um valor legítimo e necessário. 
É por isso que os preocupados com a “ideologia de gênero” deveriam repensar, compreendendo que não há nenhuma ideologia neste documento que não seja a do respeito a todos como uma necessidade urgente e necessária.
Não há negação da existência de meninos e meninas, como afirmam algumas pessoas execráveis. Há sim, o reconhecimento de que há meninos que nãos e reconhecem assim, como também há meninas que se reconhecem de outra maneira. Não é ensinar ninguém a ser o que não é, mas respeitar e reconhecer as diversas formas como as pessoas são, o que é muito diferente.   
Até porque, é esta a função social da escola que, longe de reforçar práticas de exclusão, deve se posicionar rumo à inclusão social, à superação das desigualdades sociais, à valorização igualitária das várias culturas e ao desenvolvimento de todos, independentemente da sua orientação de gênero.
Precisamos acabar com esse ciclo vicioso que em nosso país se sustenta desde seu “descobrimento”: direitos diferentes para grupos diferentes. Isso apenas será possível quando a discussão sobre gênero, sobre raça, sobre diversidade for tratada de forma séria pelas políticas públicas, respeitando o direito que todos possuem a dignidade.
Vamos nos unir como mães e pais que somos? Sim! Vamos nos unir para, juntos, educarmos nossos filhos sob os ideais da igualdade, da solidariedade, do respeito mútuo e da empatia que são os únicos pilares para uma sociedade justa.
Que esses valores virem o texto das discussões, do assunto dos grupos de whatsApp, do dia-a-dia de nossa casa e das trocas que fazemos em nossas relações. Certamente isso, diferente desse caos que os reacionários criaram para barrar o PME, seria uma grande revolução.
Esse é o meu desejo: que o Tom seja capaz de olhar para todo e qualquer um como humano e que ele, numa sociedade mais respeitosa, seja visto sempre com olhar de humanidade.
     







domingo, 7 de junho de 2015

A birra, os pais e a educação que transforma

Dia desses conversava com uma amiga e ela reforçava o quanto é difícil educar nestes tempos atuais. Isso porque temos a impressão de que as crianças e jovens de hoje apresentam mais problemas de comportamento dos que os de antigamente: birras, desobediência, revolta, etc.  Bem, isso até que é verdade. Mas é preciso que sejamos capazes de refletir sobre como educar na contemporaneidade já que, os tempos passados não voltam mais.
Mais do que isso, é necessário que sejamos capazes de entender onde estamos errando e quais as formas possíveis de educar meninos e meninas para que construam uma sociedade diferente desta que nos está posta. Ah, certamente esse é o nosso sonho!
Para iniciar esta reflexão vou compartilhar uma das principais características da educação que dou ao Tomaz, justificando um pouco esta opção. Começarei, assim, destacando porque sempre lhe dou uma possibilidade de escolha no momento em que estou agindo com ele na perspectiva de modificar um comportamento inadequado.   
Pois bem... Aqui em casa é assim: quando o Tom quer brincar com novos brinquedos, por exemplo, eu oriento que ele guarde os objetos utilizados anteriormente. Quando ele rejeita eu lhe digo:
- Filho, escolha, ou guarda os anteriores ou não poderá pegar nenhum novo.
O que eu faço neste momento é dar a ele uma possibilidade de escolha ao invés de uma proibição imediata misturada com ameaça: se não juntar não vai brincar com mais nada, como fazem muitos pais.
Sim, compreendo que esta escolha é coercitiva, mas como adulto precisamos dar aos nossos filhos opções de escolha não sobre o que fazer (que nesse caso seria guardar ou não os brinquedos), mas sobre o que é possível fazer (dentre ações aceitáveis).
Quando decide não guardar, mesmo que ele chore, esbraveje, grite, eu não permito que continue pegando novos objetos e, nesse momento, ele perde a brincadeira não por uma decisão minha, mas por uma escolha dele, já que tinha a opção de guardar e permanecer na diversão.
Esse tipo de intervenção permite que ele cresça adquirindo algo que é necessário demais a vida: que nos responsabilizemos pelas consequências naturais dos nossos atos. Ora, se é escolha dele permanecer sem guardar os brinquedos, mesmo quando lhe damos a opção de agir de forma contrária, é preciso que ele sofra as consequências de suas ações, de suas escolhas, não por uma imposição minha, mas por uma opção dele.
Tão importante quanto isso é a forma utilizada para fazer a intervenção. Não grito, não esbravejo, não fico desesperada por toda a confusão causada pelo choro ou pela birra (que os adultos potencializam mais que as crianças). O meu papel é o de manter o equilíbrio,  já que sou a adulta da relação.
E quando ajo assim, controladamente, ensino ao meu pequeno algo que ainda lhe falta: controle sobre as suas próprias emoções, transformando-as em palavras, em formas mais evoluídas de resolução de conflitos do que os tapas e gritos histéricos tão utilizados por adultos que “educam”.
Se queremos ajudar as crianças no controle de suas birras, que nada mais é do que a vontade incontrolável de que tudo aconteça ao seu próprio modo, não podemos nós, os adultos, agirmos de forma birrenta dizendo, também, coisas do tipo: eu sei gritar mais alto que você, por exemplo!
E no momento em que ele, frustrado por não fazer exatamente o que quer (o que é natural já que está numa fase bastante egocêntrica), chora muito, eu sou empática com ele e lhe digo:
- poxa, filho, imagino o quanto você está chateado por não continuar pegando novos brinquedos para a brincadeira, mas agora você terá que parar porque foi assim que escolheu.
Nada de sermão excessivo, nem nada de oprimir os sentimentos dele. Por mais errados que estejam (e isso é para nós e não para ele), os pequenos continuam tendo o direito de ficar com raiva por terem sido contrariados.
Para que uma criança aprenda a respeitar as outras pessoas é necessário que ela se sinta respeitada naquilo que sente e isso não acontece como num passe de mágica. A mudança de postura apenas é possível num ambiente no qual haja relação de confiança com a autoridade, de modo que tendo construído por si um auto-respeito sejam capazes de proporcionar o tão esperado respeito pelos outros.
Certamente não são os castigos, as surras, os gritos ou humilhações na frente de outros que fazem das crianças seres educados e respeitosos. Contrariamente a isso, este tipo de repreensão apenas são formas de fazer com que nossos filhos cresçam como pessoas que, para se sentirem felizes precisam “mandar nos outros” ou serem mandados a todo momento.
Não estou dizendo, com isso, que temos que nos tornar amigos de nossos filhos. Ao contrário, o que as crianças precisam mesmo é que nós, os adultos, sejamos sujeitos que eles possam admirar e, por isso, a nossa educação deve pautar-se em princípios e não em coações.
Tenho certeza que um “bom tapa”, como julgam alguns, pode mudar rapidamente o comportamento, trazendo a paz imediata que os pais esperam. Mas, infelizmente (ou felizmente) essa ação não educa as crianças, fazendo-as aprenderem, apenas, que são sujeitos com pouco valor. Outra consequência: eles entendem que a violência se combate com violência e, por quererem ser iguais aos pais, adotam essa mesma postura em suas relações com os outros.
Enquanto essa mania de bater nos filhos ao invés de educá-los for legitimada, ensinaremos aos nossos filhos, apenas, que o que eles têm de mais precioso: o que sentem, o que pensam, o que são – não é importante. Como queremos, então, que respeitem e reconheçam as outras pessoas?
A grande lição que precisamos, enquanto adultos, é a seguinte: quando menos mostram respeito é quando nossos filhos mais precisam ser respeitados.
Concluindo: é preciso, sim, ser autoridade para nossos filhos. Disso não se pode abrir mão. Mas o tipo de obediência que devemos esperar deles deve pautar-se em princípios e não no autoritarismo. Nós, os pais, devemos educar moralmente as crianças. Somos responsáveis, sim, por inseri-las no mundo da moral. E para isso, devemos olhar para nossos filhos como quem ainda precisa aprender e isso nos ajuda a tolerarmos mais as suas falhas, acolhendo, por isso, suas incertezas, seus erros, seus medos e fracassos.
Por fim, como disse Betinho: se não vejo na criança uma criança, é porque alguém antes a violentou; e o que vejo é o que sobrou de tudo que lhe foi tirado.

Que nós, como adultos que somos, consigamos aprender a reconhecer na criança aquilo que ela é – sujeitos que precisam da nossa visão de mundo para construir as suas próprias formas de viver; e na educação uma possibilidade de formar seres humanos melhores que, assim o são, porque a vida e lhes permitiu!