segunda-feira, 27 de abril de 2015

Vamos brincar para se divertir?

Dia desses fui a mais uma festinha infantil, programa quase semanal quando você tem filho pequeno. Além de bolo, sacolinhas e tudo mais que compõe o aniversário de crianças, a festa contava, também, com duas recreadoras que se esforçavam ao máximo para que as crianças ficassem bem ocupadas (contribuindo para o “sossego” dos pais sentados em suas mesas).
Na tentativa de atrair os pequenos, uma delas dizia em alto e bom som:
- Quem quer brincar para ganhar presente?
E as crianças, em euforia, respondiam:
- Eu!!!
Ao ouvir o diálogo entre a recreadora e as crianças eu fiquei, de imediato, estarrecida:
- Como assim brincar para ganhar presente? A gente brinca para ganhar presente ou a gente brinca para se divertir, ser feliz e fazer amigos?
Sim, eu sei que os “presentes” fazem parte de muitas brincadeiras e são recompensas ao desempenho em algumas provas... mas isso, em minha opinião, não pode ser a finalidade. A criança não pode querer brincar para ganhar presente, porque, se assim o for, como faremos quando eles não existirem? Como faremos para que elas descubram o que realmente tem valor na vida?
O mais impressionante, ao meu ver, foi constatar que as pessoas estavam ali se quer ouviram com estranheza a fala da animadora e, enredadas naquela cultura da necessária recompensa, foram incapazes de problematizar os valores que estavam presentes naquela fala.
Ainda pior, o que eu vi foram os próprios pais quase empurrando os filhos que resistiam ao presente em direção ao espaço reservado para as brincadeiras. E, numa tentativa de fazer as crianças engolirem de goela abaixo a obrigação de brincar, eles diziam:  
- Vai lá, filho, ganhar presente.
Sinto verdadeiramente que a intenção dos pais naquele momento era estimular os filhos a participarem. Mas, a fala “Vai lá, filho, ganhar presente” reflete algo muito freqüente nos dias de hoje, a banalização da espontaneidade; a compra de tudo, até das brincadeiras livres. Brincar, sozinho ou em grupo, tem sido encarado sempre como uma atividade que requer muitas coisas: requer uma recreadora que direcione o que precisa ser feito, requer presente como recompensa ao “sacrifício” de perder tempo correndo para lá e para cá dando alguns minutos de sossego aos adultos que podem, graças ao presente, acessar as redes sociais e postar fotos na festinha livremente.
O que isso diz sobre nós? Que estamos precisando repensar a forma como temos educado as crianças; que precisamos, sobretudo, repensar os valores que são emitidos junto aos sons das palavras que utilizamos para enconrajá-las...
Pode demorar mais tempo dizer: “vai lá, filho, pode ser muito legal participar desta brincadeira”. “Que tal experimentar”? “Se não gostar você sai”.  Fazer esse tipo de problematização sobre uma expressão aparentemente tão corriqueira nos ajuda a refletir sobre de que forma estamos, também, lidando com o divertimento dos nossos filhos.
Nem tudo precisa ser comprado. O prazer de brincar livremente e ser feliz não pode ser recompensado por uma bolinha de sabão, uma bola ou qualquer outro bem material.
O que fazemos quando nossos filhos não querem fazer algo que pode ser bom para eles? (Sim, usei pode e não é, porque nada é sempre positivo, até mesmo brincar).  Refletimos com eles ou tentamos comprá-los? Permitimos que eles experimentem ou decidimos por eles?
Precisamos parar de recompensar as crianças por tudo. Não podemos brincar para ganhar presentes, porque a maior recompensa da brincadeira é o próprio prazer que ela traz. Quando não percebemos isso, invertemos a hierarquia de valores, colocando o prazer do presente acima do prazer das relações. Daí para a banalização das relações é um pulo mínimo. Na verdade, já é a própria banalização...
Vamos ajudar os nossos filhos a entenderem que brincamos para nos divertir e não para ganhar algo. Certamente esta será uma grande aprendizagem para eles. Aprender que a vida pode ser simples e que bolinha de sabão pode ser feita numa garrafa velha com água e sabão não tem preço.