sexta-feira, 26 de abril de 2013

A birra, o olhar alheio e a intervenção materna


 
      Domingo eu estava no supermercado quando Tomaz, que realmente assumiu a função de andarilho, decidiu ficar para lá e para cá entre os corredores. No meio do passeio ele viu que um pedacinho de uma cerâmica do piso estava quebrado e decidiu que iria mexer ali. Acontece que dentro do buraquinho tinha um monte de sujeirinha e eu, como uma mãe zelosa, tratei logo de impedi-lo de colocar a mão no local:

- Não pode, Tom! Tem sujeira aí e vai melar a sua mão. 

Nesta hora, para minha surpresa, Tom tratou de fazer algo que eu sempre achei horrível e temi que acontecesse comigo: jogou-se no chão e deu um escândalo daqueles. Nesta hora, tratando de aplicar todas as leituras que já fiz sobre birra infantil, me abaixei e falei baixinho (porém dura): levante-se daí! Isso é feio e você vai se machucar se continuar fazendo isso.

Ele parecia que não me escutava e continuava gritando. As pessoas ao meu redor começaram a me olhar e recriminar ao meu filho (e a mim também). Parecia que eu podia ler na testa dos outros:

- “Esta mãe não vai fazer nada?!”

- “Se fosse meu filho eu deixava ele aí se jogando e ia embora que já passava”.

- “Se fosse meu filho levava umas palmadas”.

Por pura sorte eu tive oportunidades distintas de pensar a educação doTom e não foi nada disso que eu fiz. Eu abaixei, olhei para ele e disse com a voz em tom firme: “Pare com isso, meu filho. Se você se jogar assim irá se machucar”. Em seguida me mantive na frente dele, ainda abaixada, e fiquei esperando ele se acalmar, o que foi, pouco a pouco, acontecendo.   

Ele entendeu que não poderia agir daquela forma e eu não gritei, não bati dele. Falei com ele, sem gritos, mas com firmeza, o que foi percebido pelo garotinho de apenas 1 ano e 3 meses. É claro que precisei esperar um tempo para ele se acalmar e isso não aconteceu em dois segundos.

Foi neste momento que agradeci uma leitura de texto que fiz meses anos, cuja autoria é de uma das pessoas que mais admiro na vida: Professora Luciene Tognetta. Esta leitura foi fundamental para que eu soubesse como lidar com meu filho no momento da birra e, justamente por isso, hoje o compartilho com vocês.

 

 

Quando uma criança faz birra no supermercado, é preciso olhá-la firmemente e permitir-lhe uma es­colha “Filho, você pode escolher entre o chocolate e o outro doce tal”. Qual dos dois você escolhe?”. É claro que os rios de lágrimas e de escândalos podem continuar e será preciso manter a calma para poder dizer-lhe “filho, parece que você não quer nenhum dos dois... então vamos embora”.

Quando combinamos com as crianças que vamos comprar sapa­tos, por exemplo, e as crianças tendem a correr pela loja, será preciso também lhes dar uma opção: “Viemos comprar sapatos, vocês preferem comprá-los ou vamos embora?” Passados alguns segundos em que as crianças se aquietam, quando voltam às mesmas brincadeiras, será preciso que se diga “Bem, vocês fizeram a escolha! Vamos embora”. Costumeiramente, ao tomar essa atitude, os filhos podem voltar-se ao adulto e dizer que não farão mais, que vão, enfim, deter-se ao que era objetivo inicial. E nesse momento será preciso dizer-lhes: “Agora não estou disposto a voltar. Vai ficar pa­ra outro dia em que minha raiva passar”.

Se agirmos assim, não precisaremos usar os famosos tapas que são vistos por muitos como práticas educativas. Não devemos NUNCA bater numa crianças e, certamente, motivos não nos faltam para considerar essa postura INADEQUADA:

Primeiro - um tapa bem dado ou não, não permite a adequação de um comportamento, porque é de caráter externo. A criança não pensa sobre o acontecido. A ação é realizada pelos pais e, por­tanto, não há legitimação da correção que o pai pretendia dar ao filho.

Segundo -  permitir um ta­pa é permitir uma forma de violência; e o que é pior, favorecer que essa criança também tenha es­se instrumento como a única possibilidade de resolver seus problemas com seus iguais. Filhos que apanham, legitimam seu desejo de também o fazer para garantir aquilo que mais desejam : serem adultos, iguais aos que tanto admiram: seus pais.

É por isso que as conversas e reflexões são as melhores formas de educar, porque quando permitimos aos filhos que façam escolhas, estamos dando a eles a oportunidade de pensar e de tomar decisões. As crianças não aprendem pelos castigos que são pensados pelos adultos. As crianças aprendem a regular seus comportamentos podendo to­mar decisões.

Assim, será preciso externalizar para os filhos o quanto ficamos chateados com as birras, porque as crianças precisam saber o que sentimos. O adulto equilibrado extravasa sua raiva verbalizando ao outro o que sente e como se sente diante de um acontecimento, seja com os filhos, seja entre seus iguais do mundo adulto.

Além disso, não devemos nunca “sair do salto”. Em outras palavras, um adulto não perde a serenidade num momento de conflito. Ele é O adulto da relação (e quantos se esquecem disso e gritam, esperneiam como crianças!). A brevidade da fala e a firmeza no que propõe são instrumentos que farão a criança repensar seus comportamentos.

O que nos ajudará a manter o equilíbrio nessas situações de birra é a compreensão de que as crianças não fazem travessuras e desobediências porque são más e sim porque há nelas a mesma regularidade de toda a espécie humana: o desejo de satisfazer seus interesses, de se sentirem aceitas, de compreenderem-se. Quando batem, xingam, mordem, seus iguais ou a autoridade, o fazem demonstrando não conseguir conter uma frustração, um medo, uma insegurança, uma raiva, sentimentos incontroláveis e por isso, expressos. Respeitamos as crianças quando permitimos que tais sentimentos sejam manifestados. Em formas violentas? Obviamente que não, permitimos o sentimento descrevendo-o, dando provas de como as compreendemos, de como as amamos: “ Vejo o quanto você está irritado hoje. Vejo que você gostaria muito de levar aquela bala...” é exemplo de uma linguagem promissora de quem é humano também o bastante para experimentar tais inquietitudes ao longo de suas relações com os outros.

Há uma última idéia que é preciso ser esclarecida: não se ensina ninguém a nadar quando se está afogando. Não adiantarão lições de moral em momentos de crise. Aliás, elas definitivamente perdem o poder quando a Psicologia constata que uma evolução moral é fruto de uma construção interna conseguida pela experiência vivida e sentida. Estamos convictos de que a moral é uma construção do sujeito, em suas interações com o mundo que o cerca. Uma construção que depende de duas qualidades essencialmente humanas, enquanto possibilidades de evolução: o pensar e o sentir

Quando as crianças com as quais convivemos têm a possibilidade de pensarem sobre suas ações, de reconstituí-las, ao expressarem o que poderiam ter feito para que um determinado comportamento inadequado não acontecesse, estamos favorecendo a construção das estruturas de pensamento, ou seja, a razão. Por outro lado, quando permitimos que as crianças se sintam acolhidas, pelo respeito mútuo, pela disposição do adulto em não puni-las e sim auxiliá-las a encontrar soluções para seus conflitos, estamos favorecendo a construção de uma identidade capaz de autocontrolar-se.

Quando permitimos que as crianças experimentem expressar o que sentem, num conflito entre pares, estamos permitindo que se indignem, que sintam raiva. Porém, ao se indignarem, apresentando ao outro as razões de tal indignação, estamos favorecendo que elas possam construir para si, um gostar de si que não permita que a façam sofrer e ao mesmo tempo, um respeitar o outro, porque lhes damos as razões para desaprovar suas ações.

O fato de indignar-se permite que se construa o valor do diálogo, da tolerância, do perdão, do arrependimento, da amizade como conseqüências das ações  não violentas que podem ser impedidas quando as transformamos em expressão de sentimentos. Queremos dizer que é preciso permitir a raiva, instigando a criança a encontrar maneiras de expressar o que sente sem violência. Quando perguntamos, por exemplo “como você pode fazer para mostrar a seu amigo que não gostou de sua atitude, sem bater nele?” asseguramos a importância do sentimento e permitimos que um valor seja construído.

Contudo, o contrário, ao assumirmos uma postura, como “pais democráticos” que tudo permitem e pouco proíbem, favorecemos a construção de uma imagem positiva de si pela criança de que “ela tudo pode” e de fato, os resultados serão tão ruins quanto à exposição da criança às punições e castigos. Primeiramente, a criança não sentirá o “Medo da perda do amor dos pais” quando não agir bem já que demonstramos atribuir pouca importância a seus comportamentos inadequados. Por outro lado, essa mesma criança estará formando uma imagem de si baseada em outros valores que não aqueles de solidariedade, de respeito, de justiça e poderá envergonhar-se apenas quando não se mostrar a mais forte, a mais ágil, a mais bem sucedida. (De La Taille, 1998)

Enfim, a educação dos filhos não é definitivamente tarefa de qualquer um. É tarefa de quem entende de desenvolvimento humano e de quem está disposto a enxergar uma nova forma de educar para a felicidade dos filhos.