segunda-feira, 22 de junho de 2015

Ideologia da Empatia

Recentemente tomei um baita susto ao perceber a polêmica em torno do Plano Municipal de Educação (PME) do Recife, em função da presença do termo gênero no referido texto legal. Isso porque, para alguns, a presença da expressão constitui-se numa pseudo “ideologia de gênero”, sendo nefasta ao desenvolvimento infantil.
Tal crença está sustentada em idéias bastante absurdas, tais como influenciar, desde a primeira infância, práticas homossexuais na escola. Ora, se tal argumento já nos soa de forma absurda, ficamos ainda mais impressionados quando lemos o conteúdo do documento e a forma séria e coerente como o assunto foi tratado, percebendo que houve, claramente, manipulação na divulgação da informação entre alguns que possuem status de liderança, tais como gestores de escolas (pasmem, mas teve escola fazendo abaixo-assinado contra o documento) e lideranças evangélicas.
Vejam, logo no início do PME, a primeira vez que a expressão nos apareceu foi no tópico 3.4, cujo conteúdo destacou que é preciso “promover a superação das desigualdades educacionais, com ênfase na promoção da igualdade racial, geracional e de gênero”.
Qual o mal que há neste texto? Como podemos pensar num projeto educativo - seja em qual segmento for - apartado de concepções de igualdade nas suas variadas formas?
É por isso que a escola, por ser um espaço privilegiado de convivência com a diferença, precisa se sustentar em valores morais, cujo respeito (mútuo) seja a base da constituição da formação moral de nossas crianças. Não podemos pensar em respeitar apenas àqueles cujas representações nos parecem similar, mas, sim, respeitar a todo e qualquer sujeito porque esse é um sentimento importante e que não pode ser circunstancial. Isso põe fim à idéia limitada de que respeitamos o outro porque ele merece respeito, e passamos a fazer isso em nome de um autorrespeito que, de tanto legitimar essa ação, faz uso dela.
É por isso que o documento (tópico 8.2) sugere “implementar políticas públicas educacionais de inclusão social de promoção da equidade e de combate as desigualdades raciais, sociais, culturais, gênero, sexual e geracional”. Isso porque, não há mudança de paradigmas sem que haja na escola mudanças que favoreçam a inclusão de todos e reconheçam a única coisa que há em comum em todas as pessoas: nossa natureza humana.
Não podemos, como pais e mães, abrir mão disso em função de valores que excluem pessoas e trazem tanto sofrimento social: até quando vamos ter meninas da candomblé apedrejadas? Gays assassinados? Negros humilhados? Mulheres estupradas?
Precisamos mudar esta realidade e, para isso, temos que ajudar as escolas nesta difícil tarefa de educar moralmente nossas crianças, garantindo que elas conquistem o que é tão urgente: autonomia moral.
Justo por isso, a professora Telma Vinha (2000) nos leva a compreender que para que a criança construa sua própria autonomia moral, que é a capacidade de governar a si própria, é necessário que ela esteja inserida em um ambiente de respeito mútuo, em que o autoritarismo do adulto seja minimizado, e os indivíduos que se relacionam considerem-se como iguais, respeitem-se reciprocamente (p.19).
É sustentada nesta crença que o Plano Municipal, em seu tópico 8.17, delegou à escola a necessidade de “desenvolver políticas permanentes de combate ao assédio moral, sexual e todas as formas sutis ou declaradas de machismo e racismo”.
Como pode alguém ser contrário ao combate do assédio em suas variadas formas? Como pode alguém ser contrário ao machismo, que vitimiza não apenas as meninas - permitindo que constituam identidades diminuídas - como também os meninos que precisam assumir determinados estereótipos masculinos para poderem, assim, ser reconhecidos?
É justamente em nome dessas formas de assédio – disfarçadas por machismo e racismo - que muitas crianças e jovens abandonam a escola e, com ela, o sonho de progredirem na vida. É num contexto de bullying, que meninos e meninas, por serem “diferentes”, vivenciam situações de sofrimento e, sem alternativa, abandonam a escola.
Foi compreendendo isso que o PME determinou, em seu tópico 8.18, que a escola deve “implementar, acompanhar, monitorar e avaliar, em regime de colaboração entre a União e o Estado, de acordo com a legislação pertinente, políticas públicas de inclusão social dos/das estudantes trabalhadores/as de baixa renda, das/dos estudantes negros,  indígenas, quilombolas, em diversidade de gênero, sexual, e das/dos estudantes com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades/superdotação”.
Observem que o texto trata, apenas, da inclusão daqueles que, por diversas razões históricas e sociais, foram marginalizados em nossa sociedade. Não há qualquer menção a transformar estas ações inclusivas em conteúdos escolares (como alguns disseram), até porque, não aprendemos a ser respeitosos apenas porque aprendemos o que é respeito. Contrário a isso, aprendemos a ser assim porque, no ambiente no qual fomos inseridos, o respeito se configurou como um valor legítimo e necessário. 
É por isso que os preocupados com a “ideologia de gênero” deveriam repensar, compreendendo que não há nenhuma ideologia neste documento que não seja a do respeito a todos como uma necessidade urgente e necessária.
Não há negação da existência de meninos e meninas, como afirmam algumas pessoas execráveis. Há sim, o reconhecimento de que há meninos que nãos e reconhecem assim, como também há meninas que se reconhecem de outra maneira. Não é ensinar ninguém a ser o que não é, mas respeitar e reconhecer as diversas formas como as pessoas são, o que é muito diferente.   
Até porque, é esta a função social da escola que, longe de reforçar práticas de exclusão, deve se posicionar rumo à inclusão social, à superação das desigualdades sociais, à valorização igualitária das várias culturas e ao desenvolvimento de todos, independentemente da sua orientação de gênero.
Precisamos acabar com esse ciclo vicioso que em nosso país se sustenta desde seu “descobrimento”: direitos diferentes para grupos diferentes. Isso apenas será possível quando a discussão sobre gênero, sobre raça, sobre diversidade for tratada de forma séria pelas políticas públicas, respeitando o direito que todos possuem a dignidade.
Vamos nos unir como mães e pais que somos? Sim! Vamos nos unir para, juntos, educarmos nossos filhos sob os ideais da igualdade, da solidariedade, do respeito mútuo e da empatia que são os únicos pilares para uma sociedade justa.
Que esses valores virem o texto das discussões, do assunto dos grupos de whatsApp, do dia-a-dia de nossa casa e das trocas que fazemos em nossas relações. Certamente isso, diferente desse caos que os reacionários criaram para barrar o PME, seria uma grande revolução.
Esse é o meu desejo: que o Tom seja capaz de olhar para todo e qualquer um como humano e que ele, numa sociedade mais respeitosa, seja visto sempre com olhar de humanidade.
     







domingo, 7 de junho de 2015

A birra, os pais e a educação que transforma

Dia desses conversava com uma amiga e ela reforçava o quanto é difícil educar nestes tempos atuais. Isso porque temos a impressão de que as crianças e jovens de hoje apresentam mais problemas de comportamento dos que os de antigamente: birras, desobediência, revolta, etc.  Bem, isso até que é verdade. Mas é preciso que sejamos capazes de refletir sobre como educar na contemporaneidade já que, os tempos passados não voltam mais.
Mais do que isso, é necessário que sejamos capazes de entender onde estamos errando e quais as formas possíveis de educar meninos e meninas para que construam uma sociedade diferente desta que nos está posta. Ah, certamente esse é o nosso sonho!
Para iniciar esta reflexão vou compartilhar uma das principais características da educação que dou ao Tomaz, justificando um pouco esta opção. Começarei, assim, destacando porque sempre lhe dou uma possibilidade de escolha no momento em que estou agindo com ele na perspectiva de modificar um comportamento inadequado.   
Pois bem... Aqui em casa é assim: quando o Tom quer brincar com novos brinquedos, por exemplo, eu oriento que ele guarde os objetos utilizados anteriormente. Quando ele rejeita eu lhe digo:
- Filho, escolha, ou guarda os anteriores ou não poderá pegar nenhum novo.
O que eu faço neste momento é dar a ele uma possibilidade de escolha ao invés de uma proibição imediata misturada com ameaça: se não juntar não vai brincar com mais nada, como fazem muitos pais.
Sim, compreendo que esta escolha é coercitiva, mas como adulto precisamos dar aos nossos filhos opções de escolha não sobre o que fazer (que nesse caso seria guardar ou não os brinquedos), mas sobre o que é possível fazer (dentre ações aceitáveis).
Quando decide não guardar, mesmo que ele chore, esbraveje, grite, eu não permito que continue pegando novos objetos e, nesse momento, ele perde a brincadeira não por uma decisão minha, mas por uma escolha dele, já que tinha a opção de guardar e permanecer na diversão.
Esse tipo de intervenção permite que ele cresça adquirindo algo que é necessário demais a vida: que nos responsabilizemos pelas consequências naturais dos nossos atos. Ora, se é escolha dele permanecer sem guardar os brinquedos, mesmo quando lhe damos a opção de agir de forma contrária, é preciso que ele sofra as consequências de suas ações, de suas escolhas, não por uma imposição minha, mas por uma opção dele.
Tão importante quanto isso é a forma utilizada para fazer a intervenção. Não grito, não esbravejo, não fico desesperada por toda a confusão causada pelo choro ou pela birra (que os adultos potencializam mais que as crianças). O meu papel é o de manter o equilíbrio,  já que sou a adulta da relação.
E quando ajo assim, controladamente, ensino ao meu pequeno algo que ainda lhe falta: controle sobre as suas próprias emoções, transformando-as em palavras, em formas mais evoluídas de resolução de conflitos do que os tapas e gritos histéricos tão utilizados por adultos que “educam”.
Se queremos ajudar as crianças no controle de suas birras, que nada mais é do que a vontade incontrolável de que tudo aconteça ao seu próprio modo, não podemos nós, os adultos, agirmos de forma birrenta dizendo, também, coisas do tipo: eu sei gritar mais alto que você, por exemplo!
E no momento em que ele, frustrado por não fazer exatamente o que quer (o que é natural já que está numa fase bastante egocêntrica), chora muito, eu sou empática com ele e lhe digo:
- poxa, filho, imagino o quanto você está chateado por não continuar pegando novos brinquedos para a brincadeira, mas agora você terá que parar porque foi assim que escolheu.
Nada de sermão excessivo, nem nada de oprimir os sentimentos dele. Por mais errados que estejam (e isso é para nós e não para ele), os pequenos continuam tendo o direito de ficar com raiva por terem sido contrariados.
Para que uma criança aprenda a respeitar as outras pessoas é necessário que ela se sinta respeitada naquilo que sente e isso não acontece como num passe de mágica. A mudança de postura apenas é possível num ambiente no qual haja relação de confiança com a autoridade, de modo que tendo construído por si um auto-respeito sejam capazes de proporcionar o tão esperado respeito pelos outros.
Certamente não são os castigos, as surras, os gritos ou humilhações na frente de outros que fazem das crianças seres educados e respeitosos. Contrariamente a isso, este tipo de repreensão apenas são formas de fazer com que nossos filhos cresçam como pessoas que, para se sentirem felizes precisam “mandar nos outros” ou serem mandados a todo momento.
Não estou dizendo, com isso, que temos que nos tornar amigos de nossos filhos. Ao contrário, o que as crianças precisam mesmo é que nós, os adultos, sejamos sujeitos que eles possam admirar e, por isso, a nossa educação deve pautar-se em princípios e não em coações.
Tenho certeza que um “bom tapa”, como julgam alguns, pode mudar rapidamente o comportamento, trazendo a paz imediata que os pais esperam. Mas, infelizmente (ou felizmente) essa ação não educa as crianças, fazendo-as aprenderem, apenas, que são sujeitos com pouco valor. Outra consequência: eles entendem que a violência se combate com violência e, por quererem ser iguais aos pais, adotam essa mesma postura em suas relações com os outros.
Enquanto essa mania de bater nos filhos ao invés de educá-los for legitimada, ensinaremos aos nossos filhos, apenas, que o que eles têm de mais precioso: o que sentem, o que pensam, o que são – não é importante. Como queremos, então, que respeitem e reconheçam as outras pessoas?
A grande lição que precisamos, enquanto adultos, é a seguinte: quando menos mostram respeito é quando nossos filhos mais precisam ser respeitados.
Concluindo: é preciso, sim, ser autoridade para nossos filhos. Disso não se pode abrir mão. Mas o tipo de obediência que devemos esperar deles deve pautar-se em princípios e não no autoritarismo. Nós, os pais, devemos educar moralmente as crianças. Somos responsáveis, sim, por inseri-las no mundo da moral. E para isso, devemos olhar para nossos filhos como quem ainda precisa aprender e isso nos ajuda a tolerarmos mais as suas falhas, acolhendo, por isso, suas incertezas, seus erros, seus medos e fracassos.
Por fim, como disse Betinho: se não vejo na criança uma criança, é porque alguém antes a violentou; e o que vejo é o que sobrou de tudo que lhe foi tirado.

Que nós, como adultos que somos, consigamos aprender a reconhecer na criança aquilo que ela é – sujeitos que precisam da nossa visão de mundo para construir as suas próprias formas de viver; e na educação uma possibilidade de formar seres humanos melhores que, assim o são, porque a vida e lhes permitiu!