No
último post tratamos de questões que podem favorecer o envolvimento em
situações de bullying. Ainda neste sentido, é importante falarmos sobre os
sentimentos das crianças e do quão importante é reconhecê-los e valorizá-los.
Isso porque a incapacidade de falar sobre si e suas experiências contribui para
que crianças e jovens assumam posições de alvos e autores de bullying.
É por
isso que hoje eu inicio nossa conversa com o textinho da imagem abaixo:
Quem nunca
sentiu raiva de alguém e não conseguiu expressar o que sentia? Quem nunca
tentou expressar o que sentia e, ao fazê-lo, foi reprovado ou desencorajado?
Observem que a criança do texto foi extremamente assertiva: explicou o que
sentia, a repercussão do sentimento e, por fim, afirmou: mas eu ainda te amo.
Com
isso ela evidencia uma maturidade enorme: alguns sentimentos são perenes,
passageiros (como a raiva) e outros são mais sólidos e permanentes (como o amor
entre pais e filhos). Os primeiros são menos relevantes que o segundo e poder
falar sobre eles e tê-los reconhecidos contribui para segurança das crianças
(continuarão a ser amadas mesmo com raiva, o que as permite amar ainda que
envoltas pela fúria) e para o estabelecimento de relações de confiança.
Entretanto,
para alguns adultos admitir que as crianças podem sentir raiva deles soa como
desrespeito. Para alguns pais e mães os filhos não têm o direito de sentir
raiva dos pais, como se experenciar este sentimento fosse uma decisão. Claro
que não é! Nós não escolhemos quando nem de quem sentimos raiva. Não escolhemos
o sentimento e, justo por isso, precisamos aprender a controlá-lo, a lidar com
ele da forma mais assertiva possível.
Quando
são impedidas de verbalizar o que sentem, as crianças terminam por considerar
inadequado o sentimento e, reprimindo-o, evitam o diálogo tão necessário para
que consigamos estabelecer uma sociedade mais justa e solidária. Por reprimir o
que sentem não contam com ajuda para ressignificar o que sinto e como isso se
transforma em ação. Por exemplo: posso sentir raiva de você, mas não posso,
mesmo assim, te bater. Então como agir sem queimar o outro quando estamos
incendiados? Como agir sem deixar no outro a raiva que habita em nós?
Para
agir de forma adequada precisamos nos atentar a qualidade da convivência que
estabelecemos e, para que as relações sejam éticas, é preciso que seja
desenvolvida a capacidade de dialogar.
Não há
dúvidas de que viver eticamente demanda o desenvolvimento da capacidade de trocar
argumentos, negociar e, com isso, resolver os conflitos através da palavra. Não
sabemos negociar desde que nascemos, mas sim aprendemos nas relações que estabelecemos e,
para isso, é urgente poder falar e ter seu sentimento reconhecido.
Ora, a
família é nosso primeiro espaço de convivência e, com isso, terreno fértil para
que os valores morais sejam pensados, refletidos, e não meramente impostos.
Esta reflexão se dá, certamente, pela arte do diálogo.
Infelizmente
tenho visto muitas crianças vítimas de bullying dizerem que não contam aos pais
sua vitimização por indiferença (certa vez perguntei a um adolescente: “você
contou a sua mãe o que lhe passa? ” Para minha surpresa o garoto pegou o
celular e disse: “contei e ela ficou assim (mexendo no telefone) como se eu não
estivesse dizendo nada”. O garoto ainda prosseguiu evidenciando o sofrimento
dele: “se eu estivesse no lugar dela nem dormia sabendo o que acontecia com meu
filho).
Outros
afirmam que não contam por medo da reação de seus pais. Ouvi um relato de um
adulto que sofreu bullying em sua infância dizer: “minha mãe dizia que não
queria saber de eu chegar em casa apanhado. Com isso eu nunca mais lhe contei,
mas continuei apanhando do mesmo jeito”.
E
outros não contam pela incompreensão, pelos julgamentos ou pela dificuldade dos
pais na escuta e na compreensão dos sentimentos. É comum quando a criança
afirma que está triste os adultos lhe dizerem: “deixe de besteira, isso não é
motivo para se entristecer”. Ora, se as pessoas são únicas, únicos também são
os sentimentos delas diante das situações. Considerar algo como bobagem porque
atinge as crianças é o mesmo de dizer a elas que os sentimentos delas não são
relevantes.
Vejamos,
se temos como objetivo que nosso filho seja justo, solidário, e respeitoso com os
outros é urgente proporciona-lhe oportunidades de praticar tais valores, falando
o que pensa e expondo seus juízos aos outros de forma assertiva. Se temos como
objetivo a conquista do respeito mútuo, devemos acolher nossas crianças em
ambientes nos quais elas se sintam amadas e valorizadas.
Por
isso, antes de criticar seu filho ou sua filha quando este lhe disser sentir
raiva, escute-o com atenção e pergunte por quê? Diga que compreende o que ele
sente, mas que foi necessário ter tal atitude (justificando a sua ação que
deixou a criança com raiva). Com isso, você respeita a criança e continua firme
na ação que julgou necessária tomar.
Caso
ao ouvir a criança reconheça que errou, desculpe-se pelo que fez. Pedir
desculpa não enfraquece sua autoridade perante o filho, mas, contrariamente,
ajuda-o a perceber que todos seres humanos erram e podem se desculpar por isso.
O importante
é que pais e mães desenvolvam atitudes de valorização do diálogo. Não negue o
conflito usando expressões do tipo: Porque sim! Porque sou sua mãe!
Qualquer pessoa é digna de ser ouvida e de ouvir (sobretudo aqueles que educamos), e ser, portanto, respeitada no reconhecimento e valorização de seus sentimentos. Não esqueçamos: o diálogo somente é possível quando as pessoas envolvidas se respeitam mutuamente. O objetivo do diálogo, em situações de conflito, é encontrar a solução justa, ou seja, evitar que se imponha a lei do mais forte, fazer com que os direitos de cada um sejam respeitados.
Qualquer pessoa é digna de ser ouvida e de ouvir (sobretudo aqueles que educamos), e ser, portanto, respeitada no reconhecimento e valorização de seus sentimentos. Não esqueçamos: o diálogo somente é possível quando as pessoas envolvidas se respeitam mutuamente. O objetivo do diálogo, em situações de conflito, é encontrar a solução justa, ou seja, evitar que se imponha a lei do mais forte, fazer com que os direitos de cada um sejam respeitados.
Nesse sentido, nossas crianças poderão
desenvolver competências de não violência, mas, também, de não submissão. Que
sejamos capazes de educar filhos e filhas que aprendam a respeitar por se
sentirem, também, respeitados. Há uma ponte entre a vida e a reflexão sobre a
vida. Disso não tenho dúvidas.