domingo, 26 de agosto de 2012

Antes que elas cresçam



Ontem passei o dia dando aula (isso mesmo, em pleno sábado). Quando cheguei em casa meu marido tinha tirado um monte de fotos do pequeno Tom que, tenho que confessar, me deixaram inquieta. Vou explicar: nas fotos meu bebê anunciava que está ficando grande e eu pensei que as coisas estão correndo mais rápidas do que eu desejo.

Por pura ironia do destino, quando abro meu e-mail encontro um lindo texto enviado pela amiga Jhose Freire, o qual compartilho a seguir. Espero que tenham tempo de ler antes que seus filhos cresçam...

 

Há um período em que os pais vão ficando órfãos dos próprios filhos.
É que as crianças crescem. Independentes de nós, como árvores, tagarelas e pássaros estabanados, elas crescem sem pedir licença. Crescem como a inflação, independente do governo e da vontade popular. Entre os estupros dos preços, os disparos dos discursos e o assalto das estações, elas crescem com uma estridência alegre e, às vezes, com alardeada arrogância.

Mas não crescem todos os dias, de igual maneira; crescem, de repente. Um dia se assentam perto de você no terraço e dizem uma frase de tal maturidade que você sente que não pode mais trocar as fraldas daquela criatura.

Onde e como andou crescendo aquela danadinha que você não percebeu? Cadê aquele cheirinho de leite sobre a pele? Cadê a pazinha de brincar na areia, as festinhas de aniversário com palhaços, amiguinhos e o primeiro uniforme do maternal?

Ela está crescendo num ritual de obediência orgânica e desobediência civil. E você está agora ali, na porta da discoteca, esperando que ela não apenas cresça, mas apareça. Ali estão muitos pais, ao volante, esperando que saiam esfuziantes sobre patins, cabelos soltos sobre as ancas. Essas são as nossas filhas, em pleno cio, lindas potrancas.

Entre hambúrgueres e refrigerantes nas esquinas, lá estão elas, com o uniforme de sua geração: incômodas mochilas da moda nos ombros ou, então com a suéter amarrada na cintura. Está quente, a gente diz que vão estragar a suéter, mas não tem jeito, é o emblema da geração.

Pois ali estamos, depois do primeiro e do segundo casamento, com essa barba de jovem executivo ou intelectual em ascensão, as mães, às vezes, já com a primeira plástica e o casamento recomposto. Essas são as filhas que conseguimos gerar e amar, apesar dos golpes dos ventos, das colheitas, das notícias e da ditadura das horas. E elas crescem meio amestradas, vendo como redigimos nossas teses e nos doutoramos nos nossos erros.

Há um período em que os pais vão ficando órfãos dos próprios filhos.
Longe já vai o momento em que o primeiro mênstruo foi recebido como um impacto de rosas vermelhas. Não mais as colheremos nas portas das discotecas e festas, quando surgiam entre gírias e canções. Passou o tempo do balé, da cultura francesa e inglesa. Saíram do banco de trás e passaram para o volante de suas próprias vidas. Só nos resta dizer “bonne route, bonne route”, como naquela canção francesa narrando a emoção do pai quando a filha oferece o primeiro jantar no apartamento dela.

Deveríamos ter ido mais vezes à cama delas ao anoitecer para ouvir sua alma respirando conversas e confidências entre os lençóis da infância, e os adolescentes cobertores daquele quarto cheio de colagens, posteres e agendas coloridas de pilô. Não, não as levamos suficientemente ao maldito “drive-in”, ao Tablado para ver “Pluft”, não lhes demos suficientes hambúrgueres e cocas, não lhes compramos todos os sorvetes e roupas merecidas.

Elas cresceram sem que esgotássemos nelas todo o nosso afeto.

No princípio subiam a serra ou iam à casa de praia entre embrulhos, comidas, engarrafamentos, natais, páscoas, piscinas e amiguinhas. Sim, havia as brigas dentro do carro, a disputa pela janela, os pedidos de sorvetes e sanduíches infantis. Depois chegou a idade em que subir para a casa de campo com os pais começou a ser um esforço, um sofrimento, pois era impossível deixar a turma aqui na praia e os primeiros namorados. Esse exílio dos pais, esse divórcio dos filhos, vai durar sete anos bíblicos. Agora é hora de os pais na montanha terem a solidão que queriam, mas, de repente, exalarem contagiosa saudade daquelas pestes.

O jeito é esperar. Qualquer hora podem nos dar netos. O neto é a hora do carinho ocioso e estocado, não exercido nos próprios filhos e que não pode morrer conosco. Por isso, os avós são tão desmesurados e distribuem tão incontrolável afeição. Os netos são a última oportunidade de reeditar o nosso afeto.

Por isso, é necessário fazer alguma coisa a mais, antes que elas cresçam.

Affonso Romano de Sant'Anna

 



 

8 comentários:

  1. É verdade...! É, e este texto me fez sentir que realmente precisamos aproveitar os momentos por mais simples que seja. Vê só!... Hoje acordei imaginando que o meu pimpolho esta semana já foi fazer os exames para uma nova etapa de sua vida que é ingressar no Exército brasileiro. Poxaaaa... Meu filho... Sentei-me a mesa com ele na hora do café matinal e em um diálogo tentei mostra-lo que realmente se aproxima uma nova fase, e agora de uma tamanha responsabilidade pois estará sendo um adulto maior de idade. Catarina, agente sabe que um dia este momento chegará, mas dá um calafrio quando agente percebe que as coisas as vezes ocorrem tão depressa e a gente nem se dar conta. E mas... existem momentos que as vezes queremos interferir e tentar ajudar em algo, mas entendo que é necessário deixa-lo passar sozinho para adquirir sua própria experiencia.
    Por este motivo até onde posso estarei ao seu lado e por isso, é necessário fazer alguma coisa a mais, antes que elas cresçam.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Nossa, Gilva... Imagina quando chegar a minha vez? Realmente temos que aproveitar tudo antes que eles cresçam.

      Excluir
  2. exto lindo! Me vi com meu pai em algumas situações, anos atrás, e imaginei a nossa pequena Júlia num futuro não tão distante. A mensagem de que aproveitemos o tempo com nossos filhos é tão verdadeira quanto necessária! ;0) Obrigada por compartilhar!

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Alzira, quando nos tornamos pais temos mais facilidade de nos colocarmos no lugar dos nossos, não é? Obrigada por passar por aqui.

      Excluir
  3. Lindo mesmo!!! Me achei grávida porque morri de chorar...

    ResponderExcluir