sexta-feira, 11 de maio de 2012

Nossos filhos no mundo real

Gente, quando temos um filho o que realmente esperamos? Que ele venha saudável, que seja inteligente, bonito, simpático, educado, bem quisto pelas pessoas, enfim, perfeito. E quando esse filho chega e começa a se desenvolver, o que acontece? Na maior parte das vezes uma frustração (que pode ser pequena ou enorme) porque nos deparamos com o filho real que temos que nunca será igual àquele que idealizamos.
Isso é normal, gente! Acontece com todo mundo: comigo e com você também! O X da questão é a maneira que lidamos com essa frustração, pois podemos passar o resto da vida tentando fazer com que o filho real se torne o idealizado (o que vai ocasionar dor e sofrimento para mães e filhos, pois isso é impossível) ou podemos olhar para o filho real, ajudando-o a ser o melhor que ele pode ser: é isso, melhor que ele PODE ser! Eu sei, gente... isso não é nada fácil. Também temos os nossos desejos, nossos medos, nossas crenças, nossas projeções. Desejamos sempre o melhor para os filhos e, nesse desejo de máximo, acabamos contribuindo para que eles não sejam o melhor que podem ser e nem aquilo que queríamos que fossem.

Os filhos são aquilo que são e não o que desejamos. É assim com Tomaz também, que tão pequeno já me mostrou que não faz parte das minhas idealizações. Sair com ele, por exemplo, é bastante difícil. Em função do seu refluxo temos um trabalhão, pois ele gofa da hora que sai até a hora que volta. Resultado: o menino cheiroso e arrumado que eu projetei, dá lugar a um menino sujinho, nem tão cheiroso, mas cheio de alegria e satisfação.

Ao longo desses 4 meses fui aprendendo a guardar minhas idealizações na caixinha dos meus sonhos, para poder dar espaço ao filho real que recebi. No lugar de desistir de sair e ficar em casa chorando e decepcionada, decidi encontrar uma forma de organizá-lo para que tudo funcionasse da melhor forma possível.

A roupa linda, escolhida ainda no período do enxoval, passou a ficar por baixo de um babador que, após a chegada do filho real, foram comprados aos montes. Dessa forma, consigo fazer com que a roupinha que ele usou ao sair de casa ficasse seca por um tempinho maior e assim, ao invés de ter que trocar de milhões de roupas, troco agora de babadores, o que é bem mais fácil.   Dessa forma, eu, ele, o pai, ficamos todos felizes!

Esse é apenas um detalhe dos muitos que poderia compartilhar com vocês... A vida é assim... Temos que buscar facilitá-la, adaptá-la, e não prendê-la a projetos que nunca darão certo. Pouco a pouco precisamos sair do lugar das idealizações para que elas cedam espaço às adaptações, flexibilizações, mudanças de rota.

Quando somos capazes de fazer isso, permitimos que nosso filho, e nós mesmas, cresçamos evoluindo rumo à felicidade possível.

      Já vi essa mudança de rota ser feita muitas outras vezes. Uma grande amiga minha, Cida Pedrosa, fez essa mudança algumas vezes e, todas elas, com maestria. Aliás, quando penso na minha maternagem, ela é uma figura que sempre vem a minha mente. Que linda a relação dela com os filhos. Que lindo o tratamento fraterno entre eles. Que lindo o respeito às individualidades que sempre existiu em sua casa. Ah, Cida, como aprendi sobre maternidade contigo.

Outro exemplo de mudança de rota que vi ultimamente foi o da família de uma amiga minha: seu irmão, dislexo, aprendeu a viver da melhor forma que poderia, contando com a ajuda da mãe, da família, da escola. Não quiseram adaptá-lo ao modelo convencional de grafia perfeita, mas o fizeram viver com suas dificuldades, reconhecendo, nelas, muitas potencialidades.

Sobre essa não tentativa de entrar em formas, ele escreve no texto que, com muita alegria, compartilho agora com vocês:



Olá, meu nome é Henrique Koblitz, e gostaria de nessas linhas fazer um depoimento sobre uma trajetória de muita luta por parte minha e da minha família, principalmente de minha mãe a qual nem sei como agradecer a imensa força que fez para saber o que seu filho tinha de desajuste nessa sociedade.

1986 foi quando nos mudamos para Recife e lá o primeiro colégio que estudei foi o Marista, na Conde da Boa Vista. Nos mudamos no meio do ano e eu estava prestando a alfabetização ... logo no princípio, ja veio minha primeira repetência. O argumento era "Estamos estudando outras vogais e sílabas, Henrique foi muito mal nas provas e precisa voltar ao Jardim três"... minha mãe, que já vinha vendo isso antes de se mudar, acatou a sugestão e passei a frequentar o Jadim 3.

Logo quando voltei pra a alfabetização, o meu quadro era o seguinte: eu escrevia todas as palavras sem dar espaço entre elas, e as ultimas vogais na folha passavam para a mesa, num único texto. E já usava fonemas: caza, com migo...

Terminando esse ano, a diretora chamou novamente minha mãe: "Olha Ana, achamos que seu filho realmente tem algum problema, então estamos indicando essa escola especial para ele" - a escola era uma escola para pessoas com problemas mentais mais sérios, tudo isso na minha frente. Minha mãe se levantou na mesma hora e falou, nervosa: "Você tá falando que meu filho é doido? Pois eu passo o dia inteiro com esse garoto,e acho ele genial... e se tem alguem doido nessa sala, doido é você!"

Foi a primeira vez que vi minha mãe brigando com alguém que não fosse eu.

Passado o baque, não existiam dúvidas que eu precisava de alguma assistência piscicológica. A partir dai foi uma maratona de piscicólogos, cada um desenvolveu uma teoria:"Isso é um reflexo da separação dos pais", "Ele é hiperativo ", "Vamos colocá-lo em terapia em grupo, ele é sensível a mudanças".... E a escola na qual fui matriculado era uma escola baseada na filosofia de Paulo Freire chamada Apoio (mais um viva à minha mãe!).

Até que surgiu, em 1992, uma psico-pedagoga chamada Maria Eneida - a essa altura, já tinha repetido de ano 3 vezes - que afirmou pra minha mãe: "Ele é dislexo".

Minha mãe soltou uma lista de perguntas: "mas oque é isso? é grave? como é o tratamento ? tem que internar? " A pedagoga afirmou que não, que dislexia é uma disfunção na cognição gráfica e literária, (um viva a Maria Eneida!) e o tratamento envolve muito ditados, repetições e leitura - hoje vejo que na verdade é um adestramento para um mundo burocrático demais pra aceitar alguém que escreva de sua forma...porém ótimo, pelo menos ela sabia o que eu tinha.

Passei dos 12 aos 15 anos me tratando com Maria Eneida; durante esse período, escrevi 2 contos que foram premiados em concursos para jovens escritores de colegial!

Massa! Mas e aí, quando acaba a escola depois de repitir de ano 6 vezes vem o mundo la fora!

Nesse período escolar, um disléxico já foi tão chingado pelos colegas, tão subestimado, tão apelidado que dá um medo do canário ! Saí da escola com minha estima lá embaixo, não passei no vestibular por 2 vezes ... mas eu desenhava e isso era massa.

No banco entregam a maldita ficha que não se pode rasurar; aos 16 anos, fui abrir uma conta no Banco do Brasil e passei 6h pra preencher uma única ficha (rasurava, outra, rasurava, outra ....).

Saí sem abrir a conta.

Conversa com meu pai: "diz aí, filho, o que vc quer fazer quando crescer?"

Até a metade da minha adolescência eu queria ser piscicólogo; depois,queria ser artista. Meio sem jeito pra falar que eu ia ser um duro, meu pai: "Olha aqui, rapaz, por mim você pode ser ate gari, contanto que seja um bom gari" (um viva ao meu pai!).

Aí aprendi graffiti com Moa, fanzine com Greg, passei a mexer em programas gráficos, fui aprendendo sozinho as ferramentas e me toquei: Putz! Eu to fazerdo uma faculdade onde eu sou o diretor! Aprendi que a melhor forma para mim de aprender era através de uma imersão total naquilo que eu queria fazer (um viva as minhas dezenas de professores!).

Meu primeiro emprego formal foi no c.e.s.a.r. Não escrevia muitos emails nem no msn. Um dia, numa exposição de arte e tecnologia encontro meu gerente Mabuse: "Mabuse, tenho um negócio muito serio pra falar com você". E ele: "que foi, cara, algum problema no trabalho? Vejo que você manda poucos emails.... " e eu: "é exatamente sobre isso... é que eu sou extermamente disléxico!" :/ E ele:" que massa!" (um viva a mabuse!)

A partir daí, assumi! Sou disléxico! Agora no banco com a maldita ficha que não se pode rasurar, chamo o gerente e "oi amigo, recebi essa ficha que não posso rasurar, então gostaria que por gentileza você a preechesse para mim pois sou disléxico".

Hoje tenho 32 anos e continuo fazendo minha faculdade,continuo estudando muito, e se eu tiver sorte, nunca vou me formar! Sou desenhista, roteirista, vj, grafiteiro, design grafico, cantor e dançarino.

Escrevo tudo isso para alertar pais, mães e familiares: primeiro, dislexia não é uma doença, é uma forma de cognição do mundo; segundo, tente saber se seu filho tem e trate, pois o mundo não foi feito para disléxicos e infelizmente temos que lutar com isso todos os dias!! E por último, continue amando muito seu filho, pois ele há de te surpreender .

Lindas e sábias as palavras de Henrique. Que elas nos ajudem a pensar a forma como temos feito a mediação entre o mundo e os nossos filhos. Apresentá-los ao mundo e facilitar a passagem deles por essa vida não é o mesmo que adestrá-los a uma realidade que, muitas vezes, é impossível para eles.


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