sábado, 18 de outubro de 2014

Não há preço para solidariedade

Ultimamente tenho lido muitas notícias de pais que “ensinam” como calcular a mesada das crianças, trocando serviços domésticos por quantias em dinheiro. Em umas das mais populares, que já chegou a 85 mil compartilhamentos, um pai divulgou uma tabela, na qual utiliza para calcular quanto os filhos "merecem" receber ao fim de cada mês. De um total de R$ 50,00, o pai desconta valores entre R$ 0,25 e R$ 3,00 para cada desrespeito as regras estabelecidas. A lista de normas penaliza por "faltar, atrasar ou reclamar para ir à escola", "pular no sofá/cadeiras", "não tomar banho" e "desobedecer pai ou mãe". Entre outras problemas, evidencia alguns  valores que eu acho bastante equivocados e, por isso, o post de hoje é sobre este tipo de prática que eu condeno e que, jamais, farei uso em minha casa com o pequeno Tom.


Bem, vamos aos argumentos. Em primeiro lugar caso eu venha a fazer opção em dar mensalmente uma quantia financeira ao Tom, a fim de que ele aprenda a gerenciar seu próprio dinheiro, farei isso em função do valor que eu tenha condições de fornecer e, ao mesmo tempo, que ele precise, em cada idade, receber.
Não farei isso para recompensá-lo por atividades desenvolvidas no lar, até porque, aqui em casa reconhecemos que todos formam uma família e, por isso, precisam se ajudar, colaborando uns com os outros. Jamais quero que meu filho lave a louça porque receberá algo em troca ou deixe fazer com medo de perdas financeiras. Ele fará, certamente, mas porque é importante colaborar para o bem estar de todos em nossa casa, o que é muito diferente.
Ao meu ver, este tipo de postura pautada em punições expiatórias ou recompensas prende a criança na necessidade de receber sempre benefícios, o que é muito ruim ao desenvolvimento moral infantil. Digo isso porque uma criança não distingue o que pode ou não pode fazer desde seu nascimento. Estas descobertas sobre o mundo acontecerão pela ação física, pelo movimento, pelas sensações que são apresentadas e vivenciadas com os adultos, pessoas que as livram dos perigos, as alimentam e atendem as suas necessidades, sendo, por isso, consideradas como as que tudo sabem, que tudo podem.
Desse modo, se na família as crianças aprendem a trocar tudo por dinheiro ou a serem responsabilizadas pelos seus atos (ou ausência deles) apenas financeiramente, podem chegar a acreditar que o maior prejuízo que teremos na vida são os relativos às finanças e, o que é ainda pior, que o maior benefício é a troca de nossa ação por uma remuneração – o que impede que reconheçamos os sentimentos alheios.
Mais importante do que educar filhos obedientes e controlados financeiramente, é educar crianças que sejam virtuosas e, para isso, como destaca o professor Yves de La Taille, é necessário que os pequenos construam representações equilibradas de si, do ponto de vista das disposições para ser solidário, generoso, etc., sem nenhuma recompensa por trás disso. Isso porque, o que nos leva a agir moralmente é o bem estar que sentimos com tais ações e não a recompensa financeira que recebemos.
O que eu preciso mesmo, como mãe, é ajudar o Tom a ser solidário e entender que numa comunidade, seja a nossa família, na sua escola, seu grupo de amigos ou, até mesmo na cidade na qual ele reside com estranhos, todos precisam se ajudar. É importante que meu pequeno compreenda que é importante sair de si e contemplar o outro na sua condição também humana, o que irá demandar dele ações de acolhimento e doação.
Certamente, educando-o numa perspectiva de troca como esta proposta por uma mesada pautada em “compras” de serviço, eu terei poucas chances de ajudá-lo a enxergar o outro de forma empática e generosa. Isso porque, ao perder 2 reais porque desrespeitou ou bateu alguém, Tomaz pode achar que, ao abater essa quantia de sua mesada, já acertou suas contas com a infração e, por isso, está liberado para agir novamente da mesma maneira.
Vejam bem... o que há de mais grave por trás do ensinamento desta mesada é que, ao bater em uma pessoa, o maior problema é a perda de dois reais e isso não é, de modo algum, educativo do ponto de vista moral.
Outro aspecto que chamou a minha atenção foi a perda de 0,25 centavos ao ir, durante a noite, ao quarto dos pais. A dita mesada ensina, com isso, que o medo dele é algo sem valor, a medida que o pune com alguns centavos caso ele vá a cama dos pais durante a noite.
Nossa! Como pode alguém acreditar que isso é, realmente, uma boa prática educativa? Há muitas razões que levam uma criança a buscarem os pais durante a noite e o medo é, sem dúvidas, a maior de todas elas. Por 0,25 centavos as crianças aprendem que não devem recorrer aos pais nos momentos difíceis e, assim, me pergunto: irão recorrer a quem?
Será que não enxergamos que adotando medidas desta natureza poderemos contribuir para formarmos crianças inseguras que, por não sentirem seus medos respeitados, serão incapazes de respeitar o medo alheio?
É preciso instituir na família práticas que sejam pautadas em trocas afetivas e não materiais como as propostas pela “milagrosa tática da mesada”. Não estou dizendo, com isso, que tudo será tolerado pelos pais e que as crianças não sofrerão sanções por comportamentos inadequados. Estou defendendo, apenas, a tese de que as trocas entre pessoas deve se pautar em reflexões sobre as ações e não em punições sem sentido que em nada promovem reflexão sobre o ato infracionado.
O que temos, de verdade, é que ajudar aos nossos filhos a encontrarem os limites para as ações a partir da legitimação de valores que partam, primeiro, do gostar de si, a fim de que, assim, possam gostar do outro tratando-o com respeito. A gratidão de quem recebe um benefício é sempre menor que o prazer daquele que o faz, dizia o escritor Machado de Assis no conto Almas Agradecidas. É esse bem estar que devemos procurar em nossas famílias e não o temor de receber um valor menor em nossas mesadas.    
Quando há conflitos na família, como, por exemplo, ao deixar as luzes acesas, os pais precisam promover o diálogo, a fim de exemplificarem as conseqüências dessa ação, dizendo o que os incomoda, a fim de que os filhos aprendem a olhar o outro com generosidade. Certamente uma aprendizagem tão rica não se dará com menos cinquenta centavos, como propõe a técnica aqui discutida.
Por isso, a melhor forma de estimular a cooperação em família é levando a todos o reconhecimento de como as pessoas sentem-se melhores num ambiente no qual todos trabalham coletivamente pelo bem da família. Por isso, termino destacando que as crianças aprenderão a importância da solidariedade a medida que puderem exercitá-la. Assim, poderão compreender que é importante cooperar com a mãe e o pai para manter a ordem na casa pelo bem de todos e não por recompensas.
Certamente, assim, espero que aqui em casa o Tom aprenda que cada um deve dar o melhor de si para o outro e que quando as pessoas se ajudam todo mundo sai ganhando. Essa é grande lição que a forma como essa mesada é paga ainda não entendeu. Para o aprendizado da solidariedade, não há dinheiro no mundo que pague.



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