Ultimamente
tenho lido muitas notícias de pais que “ensinam” como calcular a mesada das
crianças, trocando serviços domésticos por quantias em dinheiro. Em umas das
mais populares, que já chegou a 85 mil compartilhamentos, um pai divulgou uma
tabela, na qual utiliza para
calcular quanto os filhos "merecem" receber ao fim de cada mês. De um
total de R$ 50,00, o pai desconta valores entre R$ 0,25 e R$ 3,00 para cada
desrespeito as regras estabelecidas. A lista de normas penaliza por
"faltar, atrasar ou reclamar para ir à escola", "pular no
sofá/cadeiras", "não tomar banho" e "desobedecer pai ou
mãe". Entre outras problemas, evidencia alguns valores que eu acho bastante equivocados e, por
isso, o post de hoje é sobre este tipo de prática que eu condeno e que, jamais,
farei uso em minha casa com o pequeno Tom.
Bem, vamos aos argumentos. Em primeiro lugar
caso eu venha a fazer opção em dar mensalmente uma quantia financeira ao Tom, a
fim de que ele aprenda a gerenciar seu próprio dinheiro, farei isso em função
do valor que eu tenha condições de fornecer e, ao mesmo tempo, que ele precise,
em cada idade, receber.
Não farei isso para recompensá-lo por
atividades desenvolvidas no lar, até porque, aqui em casa reconhecemos que todos
formam uma família e, por isso, precisam se ajudar, colaborando uns com os
outros. Jamais quero que meu filho lave a louça porque receberá algo em troca
ou deixe fazer com medo de perdas financeiras. Ele fará, certamente, mas porque
é importante colaborar para o bem estar de todos em nossa casa, o que é muito
diferente.
Ao meu ver, este tipo de postura pautada em
punições expiatórias ou recompensas prende a criança na necessidade de receber sempre
benefícios, o que é muito ruim ao desenvolvimento moral infantil. Digo isso
porque uma criança não distingue o que pode ou não pode fazer desde seu
nascimento. Estas descobertas sobre o mundo acontecerão pela ação física, pelo
movimento, pelas sensações que são apresentadas e vivenciadas com os adultos,
pessoas que as livram dos perigos, as alimentam e atendem as suas necessidades,
sendo, por isso, consideradas como as que tudo sabem, que tudo podem.
Desse modo, se na família as crianças aprendem
a trocar tudo por dinheiro ou a serem responsabilizadas pelos seus atos (ou
ausência deles) apenas financeiramente, podem chegar a acreditar que o maior
prejuízo que teremos na vida são os relativos às finanças e, o que é ainda
pior, que o maior benefício é a troca de nossa ação por uma remuneração – o que
impede que reconheçamos os sentimentos alheios.
Mais importante do que educar filhos obedientes
e controlados financeiramente, é educar crianças que sejam virtuosas e, para
isso, como destaca o professor Yves de La Taille, é necessário que os pequenos construam
representações equilibradas de si, do ponto de vista das disposições para ser
solidário, generoso, etc., sem nenhuma recompensa por trás disso. Isso porque,
o que nos leva a agir moralmente é o bem estar que sentimos com tais ações e
não a recompensa financeira que recebemos.
O que eu preciso mesmo, como mãe, é ajudar o
Tom a ser solidário e entender que numa comunidade, seja a nossa família, na
sua escola, seu grupo de amigos ou, até mesmo na cidade na qual ele reside com
estranhos, todos precisam se ajudar. É importante que meu pequeno compreenda
que é importante sair de si e contemplar o outro na sua condição também humana,
o que irá demandar dele ações de acolhimento e doação.
Certamente, educando-o numa perspectiva de
troca como esta proposta por uma mesada pautada em “compras” de serviço, eu
terei poucas chances de ajudá-lo a enxergar o outro de forma empática e
generosa. Isso porque, ao perder 2 reais porque desrespeitou ou bateu alguém,
Tomaz pode achar que, ao abater essa quantia de sua mesada, já acertou suas
contas com a infração e, por isso, está liberado para agir novamente da mesma
maneira.
Vejam bem... o que há de mais grave por trás do
ensinamento desta mesada é que, ao bater em uma pessoa, o maior problema é a
perda de dois reais e isso não é, de modo algum, educativo do ponto de vista
moral.
Outro aspecto que chamou a minha atenção foi a
perda de 0,25 centavos ao ir, durante a noite, ao quarto dos pais. A dita
mesada ensina, com isso, que o medo dele é algo sem valor, a medida que o pune
com alguns centavos caso ele vá a cama dos pais durante a noite.
Nossa! Como pode alguém acreditar que isso é,
realmente, uma boa prática educativa? Há muitas razões que levam uma criança a
buscarem os pais durante a noite e o medo é, sem dúvidas, a maior de todas
elas. Por 0,25 centavos as crianças aprendem que não devem recorrer aos pais
nos momentos difíceis e, assim, me pergunto: irão recorrer a quem?
Será que não enxergamos que adotando medidas
desta natureza poderemos contribuir para formarmos crianças inseguras que, por
não sentirem seus medos respeitados, serão incapazes de respeitar o medo
alheio?
É preciso instituir na família práticas que sejam
pautadas em trocas afetivas e não materiais como as propostas pela “milagrosa
tática da mesada”. Não estou dizendo, com isso, que tudo será tolerado pelos
pais e que as crianças não sofrerão sanções por comportamentos inadequados.
Estou defendendo, apenas, a tese de que as trocas entre pessoas deve se pautar
em reflexões sobre as ações e não em punições sem sentido que em nada promovem
reflexão sobre o ato infracionado.
O que temos, de verdade, é que ajudar aos
nossos filhos a encontrarem os limites para as ações a partir da legitimação de
valores que partam, primeiro, do gostar de si, a fim de que, assim, possam
gostar do outro tratando-o com respeito. A gratidão de
quem recebe um benefício é sempre menor que o prazer daquele que o faz, dizia o
escritor Machado de Assis no conto Almas Agradecidas. É esse bem estar
que devemos procurar em nossas famílias e não o temor de receber um valor menor
em nossas mesadas.
Quando há conflitos na família, como, por
exemplo, ao deixar as luzes acesas, os pais precisam promover o diálogo, a fim
de exemplificarem as conseqüências dessa ação, dizendo o que os incomoda, a fim de que os filhos aprendem a olhar o outro com
generosidade. Certamente uma aprendizagem tão rica não se dará com menos
cinquenta centavos, como propõe a técnica aqui discutida.
Por isso, a melhor forma de estimular a cooperação em família é
levando a todos o reconhecimento de como as pessoas sentem-se melhores num
ambiente no qual todos trabalham coletivamente pelo bem da família. Por isso, termino
destacando que as crianças aprenderão a importância da solidariedade a medida
que puderem exercitá-la. Assim, poderão compreender que é importante cooperar
com a mãe e o pai para manter a ordem na casa pelo bem de todos e não por
recompensas.
Certamente, assim, espero que aqui em casa o Tom aprenda que cada
um deve dar o melhor de si para o outro e que quando as pessoas se ajudam todo
mundo sai ganhando. Essa é grande lição que a forma como essa mesada é
paga ainda não entendeu. Para o aprendizado da solidariedade, não há dinheiro
no mundo que pague.
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