Quem convive comigo (ou ao
menos me conhece) sabe que balanço a bandeira de que não se educa crianças com
violência e, por isso, penso que não exista a palmada pedagógica. Talvez por
isso, recorrentemente, eu seja submetida a uma pergunta que me causa, ao mesmo
tempo, espanto e indignação: como você consegue educar seu filho sem bater
nele?
Em primeiro lugar confesso
que nestas horas sou imediatamente tomada de um espanto enorme, pois a minha
vontade é de responder com outra indagação: como alguém consegue bater numa
criança, já que não há, em minha opinião, nenhuma covardia maior que essa?
Ao mesmo tempo uma
indignação imensa me domina, pois a pergunta, normalmente, é feita por pessoas
que julgam a palmada um recurso indispensável na educação das crianças e, por
isso, legítima.
Bem, o post de hoje é fruto
de uma reflexão feita sobre a fatídica pergunta e, de tão recorrente, a
reflexão se tornou prioridade número 1 para esclarecer, de uma vez por todas, “como
consigo não bater no meu filho”.
Primeiro: Eu
não bato no Tomaz porque não sinto vontade, já que qualquer forma de violência
nunca fez parte do rol de estratégias que eu recorro, mesmo que na mente, na
hora de educar o pequeno. Assim, como não cogito essa possibilidade, jamais
tive que controlar a raiva e a vontade de bater nele, pois nunca a senti.
Vejam bem: qual brasileiro
(exceto os de paladar refinado e bolso tão refinado quanto) já sentiu vontade
de comer escargot? Certamente nenhum, já que esse prato não faz parte das opções
mais disponíveis no Brasil. É o mesmo quanto a vontade de bater no filho: quanto
menos essa prática for legitimada ou cogitada, mais distante ela estará de
nossas ações.
Segundo: eu
entendo que a maioria das coisas que ele faz são típicas da idade e não ações
premeditadas para tirar minha paciência. Um exemplo claro aconteceu hoje, no
café da manhã, quando metade de seu
prato de cuscuz foi parar no chão, porque a coordenação motora dele ainda não é
boa o suficiente para que ele coma sem sujar-se ou sujar o espaço. Se eu, a
adulta, me deixar tomar por uma chateação abrupta quando pegar a vassoura para
limpar a sujeirada certamente sentirei raiva, ao passo que se eu entender que
essa atividade faz parte do processo de crescimento dele e que, justo por
sujar-se ele aprenderá a comer adequadamente, respeitando o desenvolvimento da
criança, menos irritada eu ficarei quando ele errar e eu tiver que limpar.
Terceiro: eu
sou a adulta nesta relação mãe e filho e, justo por isso, preciso ensinar ao Tom
as estratégias disponíveis para resolver problemas de formas mais assertivas. Se a cada conflito eu grito, esbravejo ou
bato nele, deixo de ofertá-lo algo que ainda lhe falta: o controle sobre suas
próprias emoções e a transformação do que sente em palavras, em formas mais evoluídas
de resolução de conflitos que os tapas e gritos.
Quarto: Se
eu legitimo bater como uma prática que pode ser utilizada nos momentos de
conflito, ensino ao meu filho que quando ele tiver um problema pode resolvê-lo batendo. Vejam que grave ensinamento.
Quinto: “Diversos
estudos já demonstraram que a punição, o castigo, os gritos, os beliscões, o
chamar a atenção de alguém na frente dos outros não são maneiras eficazes de
conseguir o progresso do autorrespeito e do respeito ao outro (...), são formas
de fazer com que nossos meninos e meninas cresçam sendo pessoas que, para se
sentirem felizes, precisam “mandar nos outros” ou “ser mandados por eles” o
tempo todo”. (TOGNETTA, 2014).
Sexto: Apenas
quem se sente respeitado pode respeitar os outros. Desse modo, se mesmo no
momento em que eu estiver com muita raiva ou muito triste eu continuar
respeitando meu filho, embora disciplinando-o , ele aprenderá que o respeito
não pode ser circunstancial.
Sétimo: Jean Piaget (1896-1980),
estudioso do desenvolvimento da inteligência, dizia que o castigo físico leva
ao conformismo (quando a pessoa só sabe obedecer) e ao cálculo de risco (em que
a obediência é proporcional ao medo do castigo). Portanto, bater para obter um
bom comportamento é a receita para formar pessoas que receiam o novo ou que, no
futuro, não hesitam em fazer algo errado, desde que a probabilidade de punição
seja baixa.
Oitavo: A
cultura da violência precisa abrir espaço para a do diálogo e, por isso, as
surras devem ser substituída por orientações e ensinamentos que efetivamente
levem a criança a pensar e, assim, modificar suas posturas.
Nono: Do
ponto de vista legal, o Estatuto da Criança e Adolescente determina que é dever
do adulto deixar a criança a salvo de situações humilhantes, degradantes e
vexatórias e, justo por isso, os pais devem proteger os filhos e não
violentá-los.
Décimo: eu
sou a mãe dele e não seu algoz.
A partir de hoje, cada
pessoa que me fizer esta famigerada pergunta terá que ouvir estes dez argumentos
que, se não são os mais convincentes, são os que regulam as relações aqui em
casa. Relações estas, sem palmadas.
Relações essas que merecem palmas!
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