Recentemente tomei um baita
susto ao perceber a polêmica em torno do Plano Municipal de Educação (PME) do
Recife, em função da presença do termo gênero no referido texto legal. Isso
porque, para alguns, a presença da expressão constitui-se numa pseudo “ideologia
de gênero”, sendo nefasta ao desenvolvimento infantil.
Tal crença está sustentada
em idéias bastante absurdas, tais como influenciar, desde a primeira infância,
práticas homossexuais na escola. Ora, se tal argumento já nos soa de forma
absurda, ficamos ainda mais impressionados quando lemos o conteúdo do documento
e a forma séria e coerente como o assunto foi tratado, percebendo que houve,
claramente, manipulação na divulgação da informação entre alguns que possuem
status de liderança, tais como gestores de escolas (pasmem, mas teve escola
fazendo abaixo-assinado contra o documento) e lideranças evangélicas.
Vejam, logo no início do PME,
a primeira vez que a expressão nos apareceu foi no tópico 3.4, cujo conteúdo
destacou que é preciso “promover a
superação das desigualdades educacionais, com ênfase na promoção da igualdade
racial, geracional e de gênero”.
Qual o mal que há neste
texto? Como podemos pensar num projeto educativo - seja em qual segmento for -
apartado de concepções de igualdade nas suas variadas formas?
É por isso que a escola, por
ser um espaço privilegiado de convivência com a diferença, precisa se sustentar
em valores morais, cujo respeito (mútuo) seja a base da constituição da
formação moral de nossas crianças. Não podemos pensar em respeitar apenas àqueles
cujas representações nos parecem similar, mas, sim, respeitar a todo e qualquer
sujeito porque esse é um sentimento importante e que não pode ser
circunstancial. Isso põe fim à idéia limitada de que respeitamos o outro porque
ele merece respeito, e passamos a fazer isso em nome de um autorrespeito que,
de tanto legitimar essa ação, faz uso dela.
É por isso que o documento (tópico
8.2) sugere “implementar políticas públicas educacionais de inclusão social de
promoção da equidade e de combate as desigualdades raciais, sociais, culturais,
gênero, sexual e geracional”. Isso porque, não há mudança de paradigmas sem
que haja na escola mudanças que favoreçam a inclusão de todos e reconheçam a
única coisa que há em comum em todas as pessoas: nossa natureza humana.
Não
podemos, como pais e mães, abrir mão disso em função de valores que excluem
pessoas e trazem tanto sofrimento social: até quando vamos ter meninas da
candomblé apedrejadas? Gays assassinados? Negros humilhados? Mulheres
estupradas?
Precisamos
mudar esta realidade e, para isso, temos que ajudar as escolas nesta difícil
tarefa de educar moralmente nossas crianças, garantindo que elas conquistem o
que é tão urgente: autonomia moral.
Justo por
isso, a professora Telma Vinha (2000) nos leva a compreender que para que a
criança construa sua própria autonomia moral, que é a capacidade de governar a
si própria, é necessário que ela esteja inserida em um ambiente de respeito
mútuo, em que o autoritarismo do adulto seja minimizado, e os indivíduos que se
relacionam considerem-se como iguais, respeitem-se reciprocamente (p.19).
É sustentada
nesta crença que o Plano Municipal, em seu tópico 8.17, delegou à escola a
necessidade de “desenvolver políticas
permanentes de combate ao assédio moral, sexual e todas as formas sutis ou
declaradas de machismo e racismo”.
Como pode
alguém ser contrário ao combate do assédio em suas variadas formas? Como pode
alguém ser contrário ao machismo, que vitimiza não apenas as meninas -
permitindo que constituam identidades diminuídas - como também os meninos que
precisam assumir determinados estereótipos masculinos para poderem, assim, ser
reconhecidos?
É
justamente em nome dessas formas de assédio – disfarçadas por machismo e
racismo - que muitas crianças e jovens abandonam a escola e, com ela, o sonho
de progredirem na vida. É num contexto de bullying, que meninos e meninas, por
serem “diferentes”, vivenciam situações de sofrimento e, sem alternativa,
abandonam a escola.
Foi
compreendendo isso que o PME determinou, em seu tópico 8.18, que a escola deve “implementar, acompanhar, monitorar e
avaliar, em regime de colaboração entre a União e o Estado, de acordo com a
legislação pertinente, políticas públicas de inclusão social dos/das estudantes
trabalhadores/as de baixa renda, das/dos estudantes negros, indígenas, quilombolas, em diversidade de gênero, sexual, e das/dos
estudantes com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas
habilidades/superdotação”.
Observem
que o texto trata, apenas, da inclusão daqueles que, por diversas razões
históricas e sociais, foram marginalizados em nossa sociedade. Não há qualquer
menção a transformar estas ações inclusivas em conteúdos escolares (como alguns
disseram), até porque, não aprendemos a ser respeitosos apenas porque
aprendemos o que é respeito. Contrário a isso, aprendemos a ser assim porque,
no ambiente no qual fomos inseridos, o respeito se configurou como um valor
legítimo e necessário.
É por isso
que os preocupados com a “ideologia de gênero” deveriam repensar, compreendendo
que não há nenhuma ideologia neste documento que não seja a do respeito a todos
como uma necessidade urgente e necessária.
Não há
negação da existência de meninos e meninas, como afirmam algumas pessoas
execráveis. Há sim, o reconhecimento de que há meninos que nãos e reconhecem
assim, como também há meninas que se reconhecem de outra maneira. Não é ensinar
ninguém a ser o que não é, mas respeitar e reconhecer as diversas formas como
as pessoas são, o que é muito diferente.
Até porque,
é esta a função social da escola que, longe de reforçar práticas de exclusão,
deve se posicionar rumo à inclusão social, à superação das desigualdades
sociais, à valorização igualitária das várias culturas e ao desenvolvimento de
todos, independentemente da sua orientação de gênero.
Precisamos acabar com esse
ciclo vicioso que em nosso país se sustenta desde seu “descobrimento”: direitos
diferentes para grupos diferentes. Isso apenas será possível quando a discussão
sobre gênero, sobre raça, sobre diversidade for tratada de forma séria pelas
políticas públicas, respeitando o direito que todos possuem a dignidade.
Vamos nos unir como mães e
pais que somos? Sim! Vamos nos unir para, juntos, educarmos nossos filhos sob
os ideais da igualdade, da solidariedade, do respeito mútuo e da empatia que
são os únicos pilares para uma sociedade justa.
Que esses valores virem o
texto das discussões, do assunto dos grupos de whatsApp, do dia-a-dia de nossa
casa e das trocas que fazemos em nossas relações. Certamente isso, diferente
desse caos que os reacionários criaram para barrar o PME, seria uma grande
revolução.
Esse é o meu desejo: que o
Tom seja capaz de olhar para todo e qualquer um como humano e que ele, numa
sociedade mais respeitosa, seja visto sempre com olhar de humanidade.
Nenhum comentário:
Postar um comentário