Ontem, na noite de Natal, o
pequeno Tomaz ganhou um presente do Tio Bruninho e da Tia Ritinha: uma bola
pula-pula da Galinha Pintadinha. Como já
estava dormindo, deixamos para abrir o presente com ele, a fim de que
aproveitasse o carinho recebido desde o momento de rasgar o papel até o de
brincar, no sentido literal da palavra.
Confesso que hoje pela
manhã, enquanto ele abria a embalagem, meu coração neurótico-materno (sim, eu
sei que isso é pleonasmo), tremeu imaginando: este é o tipo de brinquedo que certamente
causará acidente!
Mesmo assim, superei, segui
em frente, e ajudei meu filhote a abrir o brinquedo e explorá-lo. Logo no
primeiro momento ele tentou dar sentido ao objeto, uma vez que era a sua
primeira experiência com uma bola que possui duas orelhas.
Olhou, pensou e, sem saber
que era para sentar em cima e pular, tratou de me dizer:
- Você é Tia Bela e eu sou
seu aluno! – após esta frase, sem que eu pudesse respondê-lo, voltou a
prosseguir:
- Tia Bela, qual a atividade
de hoje? – e ainda sem me deixar falar, completou:
- Deitar na bola, rolar e
cair sem deixar bater a cabeça.
A mim restou sorrir da sua
explicação e entender o motivo da utilização desse argumento... A explicação
dessa experiência é a razão do post de hoje que terminou sendo completamente maternogógico,
contemplando o verdadeiro duelo das duas mulheres que moram em mim: a mãe e a
pedagoga.
Há mais ou menos 6 meses o
pequeno Tom iniciou uma atividade chamada Moviment Kids no mesmo local onde ele
faz natação: ALL 4 KIDS. Esta aulinha, carinhosamente chamada por ele de brincadeira,
tem como objetivo estimular habilidades motoras, focando, sobretudo, na força,
no equilíbrio e na consciência corporal.
Eu adoro tudo o que ele
aprende lá e acho o máximo ele nomear dessa maneira - aula de brincadeira -
porque esta mãe pedagoga entende que ele aprende da forma mais significativa
que um serzinho da idade dele pode aprender: brincando.
E foi lá que ele aprendeu a
rolar sobre um cilindro, mais ou menos como a bola que ganhou, e, por isso, foi
lá que ele adquiriu conhecimento prévio suficiente para levantar a hipótese de
que era essa a finalidade do objeto que lhe foi dado pelos seus tios.
Vejamos
bem! Piaget nos explica que um novo conhecimento somente é possível porque há
outros anteriores, levando-nos a compreender que é dessa maneira que se
desenvolve a inteligência. O grande mestre nos explica que desde o nascimento
as pessoas começam a realizar processos contínuos e infinitos de
desenvolvimento, partindo de estruturas mais simples rumo a outras mais
complexas.
Essa
evolução se dá passo a passo, de modo que as estruturas cognitivas anteriores são
condições prévias para a elaboração de outras mais complexas. Ao agir sobre um
novo objeto ou situação que entre em conflito com as capacidades já existentes,
as crianças fazem um esforço de modificação para que suas estruturas
compreendam a novidade.
Foi exatamente isso que fez
o meu pequeno, ajustando suas experiências anterioes a nova situação de
conflito. Ele sabia, a partir do que vivia com Tia Bela, que objetos como
aquele serviam para rolar e cair. Mesmo que a bola pula-pula, como o próprio
nome diz, tivesse outra função, Tomaz ainda não tinha nenhuma experiência
anterior que lhe permitisse levantar essa hipótese, e, buscando equilibrar-se
diante o objeto (equilibrio aqui no sentido piagentiano), recorreu às suas
experiências das aulas de brincadeira.
É fantástico entender porque
meu filho agiu dessa maneira! É mais fantástico ainda entender o que aprendi
ainda na faculdade: a evolução do conhecimento se
dá a partir do que a criança já sabe - a ideia-âncora - servindo de ponte para
a construção de um novo conhecimento por meio da reconfiguração das estruturas
mentais existentes ou da elaboração de outras novas.
Foi assim que o Tom fez. E é
por isso que todos nós que lidamos com crianças – pais, educadores, cuidadores,
etc. - deveríamos entender que os conhecimentos prévios são muito importantes
ao desenvolvimento, porque somente é possível avançar no desenvolvimento se a
intervenção educativa levar em consideração o ponto de partida de cada um (isso
é algo ímpar e intranferível).
É justo por isso que o
Piaget nos diz no livro Problemas de Psicologia Genética :
"Para que um novo instrumento lógico se
construa, é preciso sempre instrumentos lógicos preliminares; quer dizer que a
construção de uma nova noção suporá sempre substratos, subestruturas anteriores."
É pelas estruturas anteriores e por tudo que
aprende nas aulas de brincadeiras que me resta a agradecer a Tia Bela, por ter
ensinado algo tão importante ao meu filho.
Sim, saber cair (no sentido denotativo e
conotativo), certamente, é uma competência que levaremos por toda vida e é por
isso que minha gratidão se dá, justamente, porque sabendo rolar sobre a bola com
uma desenvoltura de quem já se tornou expert, meu coração neurótico-materno tem mais um pouco de sossego
e, o que é mais importante, meu filho tem mais segurança não apenas física,
mas, também, emocional.
Obrigada, Tia Bela, essa atividade aqui em
casa, não precisa mais de capacete (rsrrsrsrs).
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